sábado, 6 de junho de 2020

O OLHAR DO OUTRO

Diz o ensaísta Alberto Manguel, no prefácio do livro “O filho de mil homens”, obra do escritor português, nascido na Angola colonial, Walter Hugo Mãe, que, segundo conta a lenda, no Jardim do Éden, Adão e Eva só foram felizes porque sabiam quem verdadeiramente eram aos olhos de Deus. Entretanto, depois de morderem o fruto proibido, tornaram-se infelizes porque tiveram vergonha de perder essa identidade que lhes fora concedida pelos olhos do “Outro”. Isso talvez justifique – diz Manguel – “a antiga suspeita de que cada um de nós é um reflexo da visão do outro”, que existimos no olhar daqueles que conosco convivem. E a visão que o outro terá de nós, a vida ensina, estará sempre condicionada ao sabor das frutas mais ou menos ácidas, digamos assim, que decidirmos experimentar ao longo da nossa existência. Assim, costumamos olhar “o outro” pelos exemplos de grandeza, de lealdade ou de sabedoria que ele nos transmite. Ou, por lado diverso, pelas frustrações, pelos traumas e pelas decepções que as suas atitudes nos revelam. O que mais se vê é gente reclamando, e com razão, da falta de afeto e (para utilizar uma expressão da moda) de empatia entre as pessoas. Mas muitos dos que reclamam passam a vida inteira distribuindo balinhas azedas por onde circulam. Parafraseando o L. F. Veríssimo: a gente não é o que diz que é, a gente é o que faz, ou deixa de fazer. E é exatamente sobre o que fazemos ou que deixamos de fazer que vai se estender o olhar do outro. Um olhar que está, invariavelmente, a espreita do momento em que venhamos a sofrer a tentação de morder o fruto proibido. Porque um dia certamente todos nós haveremos de comê-lo. E quando isso acontecer, a nossa “verdadeira” identidade (o que realmente somos e não o que pensamos que somos) haverá de ser finalmente revelada. E então o nosso paraíso vai estar definitivamente ameaçado. Isso vale para os homens e para as mulheres comuns, para os juízes e para os ministros, para os heróis e para os ídolos, para os mitos e, mais ainda, para os falsos mitos. Todo modo, seja pela falta de autocrítica, por egoísmo, ou, simplesmente, por defesa, para cada de um nós será sempre mais conveniente cultivar a dúvida: afinal, fomos nós mesmos ou foi o olhar do outro quem nos expulsou do paraíso?
Arte: Ricardo Freitas (Donga) - 2003

terça-feira, 2 de junho de 2020

JORNAIS DO ARROIO GRANDE (I)

Relação dos jornais de Arroio Grande-RS, de 1896 até 2020
1) O Pampeiro (1896) – Diretor: Zeferino Pereira de Andrade.
(Primeiro jornal editado no Arroio Grande)
2) A Violeta (1897)*
3) O Patriota (1903)**
4) O Petit (1903) – Diretor-Gerente: Hermes Caldas – Administrador: Araripe Ribeiro - (Jornal Humorístico, com saída aos domingos)
5) Correio Popular (1904) – Diretor: José Cardona Duarte
6) O Popular (1906) – Diretor: Waldemar Caldas
7) Arroio-grandense (1907) – Diretor: Francisco Vinhas Júnior
8) O Progressista (1908) – Diretor: Cesarino Teixeira
9) A Nação (1913) – Diretor: Aurino Caraciolo Ribeiro
10) A Imprensa (1913) – Proprietário: Octaviano Silva; Gerente: Octacílio A. Silva; Redatores: Leonel Fagundes e Olindo Silva
11) O Metralhador (1914)***
12) O Xadrez (1914) – Responsável: Aimone Soares Carriconde - (Jornal de Confecção artesanal)
13) O Raio X (1915) – Sucede “O Xadrez” – Responsável: Aimone Soares Carriconde
14) Folha do Sul (1915) – Diretor: Aurino C. Ribeiro
15) O Cacete (1915)****
16) O Progresso (1915) – Propriedade: Rolim & Irmão
17) O Guarany (1916) – Sucede “O Raio X” – Responsável: Aimone Soares Carriconde
18) O Município (1918) – Diretor: Leonel Fagundes
19) Mauá (1923) – Diretores: Olindo Silva e Aymoré Carriconde
20) A Razão (1926) – Diretor: Aimone Soares Carriconde
21) O Mystério (1926) – Propriedade de Ribeiro & Comp.
(“Orgam Crítico, humorístico, litterario e noticioso”)
22) A Evolução (1933) – Fundador: Oscar Marinho Falcão
23) A Voz Escolar (1939)*****
24) Informações (1957) – Proprietário-Diretor-Gerente: Pe. Análio Pereira das Neves
(Jornal religioso, voltado às notícias da comunidade católica)
25) A Tribuna (1958) – Diretor Gerente: Ney Cavalheiro; Diretor Responsável: Fernando Martinelli; Diretor de Redação: Lauro Cavalheiro; Redatores: Aimone Soares Carriconde; Pedro Jayme Bittencourt; Sylvio Soares Carriconde
26) Jornal Contábil (1960) – Diretores: Pedro Jayme Bittencourt e Roberto Carlos Ferreira
27) Alvorada (1961) – Diretoras: Irene Ferreira e Maria Helena Salaberry
Jornal Estudantil vinculado a UAGES (União arroio-grandense de estudantes secundários)
28) A Luta (1962) – Diretor: João Fernandes Teixeira (Martha Rocha)
29) Hoje (1974)******
30) ABC (1975) – Diretor Responsável: José Paulo Gomes de Freitas; Diretor Substituto: Rui Quadrado Vitória; Editor: Neffton Paulo Araujo Góz
31) A Folha (1993) – Diretores: Victor Bretanha Hepp e Ana Izabel Bretanha Hepp
32) Correio Popular (1996) – Diretora: Rosa Maria Cunha
33) O Pontual (1996) – Diretora: Heloísa Antiqueira Machado
34) O Regional (1997) – Diretora: Rosemeri Melo Benites
35) Meridional (1999) – Diretor: Alexandre Ribas
36) Jornal da Cidade (2000) – Diretora: Fernanda Domingues
37) Correio do Sul (2005) – Diretora: Nara Joyce Araújo

Notas:
(1) Este ensaio, publicado em homenagem ao Dia da Imprensa, baseia-se, fundamentalmente, em três trabalhos elaborados sobre a imprensa escrita do Arroio Grande, sendo os seus realizadores:
a) Eduardo Henrique Paias Messon. Trabalho intitulado “Imprensa Escrita”, publicado, com adaptações, na Revista Tempos (Org. Flávia da Conceição Corrêa, Arroio Grande, 2004);
b) Júlio Heinzelmann Petersen, "Subsídios para a história da imprensa em Arroio Grande", publicado em Trinta dias de cultura, Instituto Estadual do Livro, de Porto Alegre, números 34 e 35, ano de 1991.
c) “A Evolução”. Conforme relação de jornais publicada na edição de 20 de setembro de 1969, com o título "A Imprensa".
(2) Os jornais “A Violeta” (1897), “O Patriota” (1903), “O Metralhador” (1914), “O Cacete” (1915), “A Voz Escolar” (1939) e “Hoje” (1974), identificados com asteriscos, são citados por Júlio Heinzelmann Petersen como os únicos faltantes para ele concluir “um excelente artigo sobre os 54 jornais (sic) surgidos em Arroio Grande até esta data (1896/Maio-01 a 2001/Novembro-06)”, conforme Carta dirigida pelo pesquisador à Profª Flávia da Conceição Corrêa, datada de 6 de novembro de 2001. Júlio H. Petersen faleceu em 09.12.2002, na capital do Estado, onde residia.
(3) Serão mencionados os diretores fundadores de cada publicação, sendo que muitos periódicos tiveram diversos responsáveis ao longo das suas edições.
(4) A pretensão deste ensaio é deixar um registro, na forma mais ampla possível, da história da imprensa escrita no Arroio Grande, com a devida atualização. Portanto, qualquer contribuição, na forma de acréscimo ou de correção a publicação, será bem-vinda.
(5) Não se desconhece, por óbvio, a importância de outros veículos de imprensa local, especialmente as atuais Rádio Difusora e Rádio Studio FM, também merecedoras de homenagens no “Dia da Imprensa” (1º de junho). Entretanto, este ensaio optou por abordar, neste momento, exclusivamente a existência dos jornais de Arroio Grande, que, no dizer do pesquisador Júlio Petersen, ultrapassaram a meia centena em nossa cidade, desde a fundação de “O Pampeiro”, em 1896.

JORNAIS DO ARROIO GRANDE (II)

Vinte capas dos jornais locais
Os exemplares aqui utilizados são, todos eles, ou da coleção pessoal do autor deste ensaio, ou pertencentes ao acervo da Profª Flávia da Conceição Corrêa.




















sábado, 23 de maio de 2020

CÉLIA

51, Black House Road, Huddersfield, HD2-1 Ap, England... No dia 23 de maio de 1990, há exatos trinta anos, eu estava desembarcando no aeroporto de Lisboa, em Portugal, para viver uma aventura que atravessou alguns meses. Dessa viagem, feita com inacreditáveis mil dólares no bolso, eu poderia contar dezenas, talvez centenas de histórias. Mas aventuras e viagens são muito pessoais, e, via de regra, se revelam desinteressantes para quem não as viveu. Prefiro contar, então, sobre esse endereço que aparece aí em cima. É que lá, em Huddersfield, uma cidade de porte médio, ao norte da Inglaterra, morava uma colega minha da época do Ginásio (o atual Instituto Aimone). Uma amiga da mocidade, a Célia, filha do Erothildes Moraes, o popular Agapito, e da Dona Amélia, que residiram durante anos no Arroio Grande. Pois quando soube que eu iria para a Europa, o Agapito, amigo e cliente do meu pai, me repassou o endereço da filha, na Inglaterra. Por absoluta falta de dinheiro, eu não fui a Huddersfield, visitar a Célia, que era uma colega muito querida, minha e de toda a turma do colégio, nos primeiros tempos da nossa adolescência. Tínhamos doze, treze anos, e éramos amigos, todos, e nos gostávamos como se gostam os bons amigos. E pensávamos que nos encontraríamos pela vida toda e que o nosso futuro seria tão divertido como era o teatrinho que fazíamos na escola… Naquele verão da Europa, de 1990, por absoluta falta de dinheiro – eu já disse – eu não pude ir a Huddersfield, e acabei voltando para o Brasil quase ao final do nosso inverno. A Célia ficou um período por lá e, tempos depois, eu a encontrei, por acaso, em Pelotas, onde conversamos sobre a minha “não ida” até a Inglaterra. Brincamos e nos despedimos. Foi a última vez que eu vi a minha amiga. Soube, mais tarde, que uma doença traiçoeira havia retirado a Célia precocemente do nosso convívio. Desde então, nunca mais as brincadeiras da Célia, nunca mais a sorriso da Célia, nem planos profissionais, nem viagens, nem nada... Huddersfield nunca mais... Também eu nunca mais retornei à Europa, para repetir aquela viagem sobre a qual eu teria dezenas, talvez centenas, de histórias para contar… Mas o que eu trago para agora, para estes dias de angústia que todos nós estamos vivendo, com uma vontade enorme de abraçar as pessoas queridas, é que se me fosse possível mexer no tempo, eu pegaria a minha velha agenda de 1990, destacaria um endereço – 51, Black House Road, Huddersfield, HD2-1 Ap, England – e, lá chegando, entraria a passo na casa da cidade localizada quase na fronteira com a Escócia. Só para abraçar uma amiga adorável. Porque nós, os agora velhos colegas de adolescência, sempre soubemos, todos, que na empatia da Célia, na queridice da Célia, no seu enlevo, caberiam todos os abraços contidos do mundo...

quarta-feira, 20 de maio de 2020

DOENTES


Cloroquina, diazepan, gardenal… Pode escolher. Estamos todos doentes. Há tempos… Nas pequenas cidades, como a nossa, se alguém é suspeito de estar com o coronavírus, uma doença que qualquer um pode contrair, recebe logo um linchamento moral – nas esquinas, nas repartições públicas, pelas redes sociais – inclusive, e principalmente, por parte daqueles que não colaboram em nada para evitar adquirir o vírus… No Rio de Janeiro, a “Cidade Maravilhosa”, a polícia chega atirando na residência de uma família de pretos e pobres, e assassina um menino de 14 anos, cheio de alegria, cheio de sonhos, cheio de vida… A mãe só consegue encontrar o filho, já sem vida, dezessete horas depois! E tudo isso é tratado com espantosa naturalidade. Com a morte de João Pedro, são assassinados também os seus familiares: a mãe, o pai, os irmãos, todos mutilados pela tragédia anunciada. Por uma política de segurança equivocada, mas diariamente defendida por milhares de “cidadãos do bem”, que fazem apologia da truculência policial como uma “necessidade do Estado”, e que defendem o armamentismo, a violência e a tortura – vejam só, a tortura! – como alternativas ao caos social que o próprio Estado patrocina. No Brasil, enquanto morrem 1.000 pessoas por dia de Covid-19, um governo desgovernado não tem ministro da saúde, não tem política de combate a pandemia e conta com um presidente que faz uma piada por dia diante das mil mortes por dia… Para justificar esse escarcéu, e as m… diárias proferidas pelo presidente, os seus defensores se utilizam, agora, da m… dita por um ex-presidente, que não consegue um mínimo de polidez para verbalizar o óbvio: que apenas o Estado é capaz de agir e de solucionar determinadas crises. E que, por isso, ele, o Estado, tem que ser forte… Estamos todos doentes. Há tempos. Tem toda razão a Marília Kosby, quando escreve, no poema "Bestas": “A nossa humanidade já venceu a data, já perdeu o prazo, estourou o tempo de estar contida"... Cloroquina, diazepan, gardenal… Pode escolher. E tomar!

sábado, 16 de maio de 2020

CUSTO

Chegou em casa à noitinha. Irritada. Quarenta e cinco anos de idade, casada, sem filhos. Formada na universidade, mas sem exercer qualquer ofício. Os imóveis do casal, havidos por herança, garantiam um ótimo padrão de vida. Na sala, encontrou com o marido. Sentado, vendo tevê, como sempre. Nas paredes e nas estantes, pôsteres e quadros. Num deles, a imagem preferida do homem. Ele em cima de uma cabine dupla, segurando um relho, numa manifestação política, em Bagé, no ano de 2018. A reprodução favorita dela estava do outro lado. Fazendo compras no Woodbury Common Premium, em Nova York. Agarrada a um Dior Absolutely, comprado por merreca. No ano em que o PIB do Brasil teve o maior crescimento do século, 7,5%, em 2010. Mas agora estava visivelmente atacada. Largou a embalagem sobre a mesa e avisou o marido: – São máscaras. Para mim e para ti, vamos ter que colocar a partir de hoje. – Mas e o livre arbítrio? E a democracia? – ele questionou. – Não adianta – ela disse – perdemos. Está todo mundo usando. Essa gentalha… Eu até já tive que vestir, hoje, para descer do carro na cabeleireira… – Mas era só o que faltava – ele falou – por causa de uma gripezinha. Onde vamos parar? – Mas no churrasco dos Siqueira Silveira Soares, hoje à noite, nós não vamos precisar usar isso daí? – questionou. – Claro que não, né, lá é gente como a gente – ela respondeu – com aquele sorriso superior que aprendera a exibir com gente como ela… – Então tá – ele disse – termina de te arrumar que nós já vamos. E na caminhonete zero quatro, apesar que a gasolina segue cara – complementou, evidenciando a mania de chamar os carros por números… Do outro lado da sala, Dona Maria, a empregada, deu boa noite para os patrões, colocou a segunda máscara do dia, vestiu touca e luvas, e saiu para enfrentar o frio no costumeiro retorno para casa. Dentro do transporte coletivo, a caminho do bairro, Maria lembrou, não sabe direito porquê, mas lembrou, de uma frase dita por Leonel Brizola, há muitos anos, quando foi perguntado se não achava caro o sistema de educação de tempo integral que ele pregava para o Brasil. – "Cara mesmo é a ignorância!". – foi como respondeu o líder trabalhista, no seu inconfundível estilo… Na chegada, enquanto se despedia do motorista e do cobrador, ambos enfronhados em panos que deixavam somente os olhos de fora, a Dona Maria, com aquele sorriso que ninguém lhe ensinara, não parava de repetir a expressão: – “Cara mesmo é a ignorância”. Que engraçado! O doutor Brizola se saía com cada uma… Imagina se lhe tivessem perguntado sobre o custo da estupidez?

domingo, 10 de maio de 2020

PRAZO


Ele era assim, meio abobado, tonto, um pateta. Nunca sabia em que ano estava, tampouco que idade tinha. Se atrapalhava, fazia confusão com tudo. Agora, estava numa sala de aula e pediram que elaborasse uma redação. Tema: Dia das Mães. Ele escreveu: “O Dia das Mães é o dia mais longo do mundo!”. Assim mesmo, com ponto de exclamação. Redigiu desse jeito e entregou o trabalho. A professora leu e pediu que ele explicasse o que quis dizer ao escrever daquela maneira, com ponto de exclamação e tudo. Ele justificou: – Ué, eu acho que esse é o mais longo dos dias porque ele não tem início nem fim. Afinal, como pode existir somente um dia para a gente comemorar ao lado da pessoa mais importante do mundo, se haverá o dia em que a pessoa mais importante do mundo não estará mais do nosso lado para comemorarmos o dia junto com ela? Daí, nesse caso, o dia vai deixar de existir? (Ele era assim, meio tonto, já se disse…). A professora contestou falando que não, que o dia continuaria existindo. E que, ademais, a gente deveria se conformar, pois quando as pessoas partem é porque já cumpriram a sua missão por aqui. Então ele perguntou para a professora se ela não achava que era pouco o tempo que davam para as mães cumprirem a tal missão por aqui. Ela respondeu dizendo que a gente não podia julgar, que para “essas coisas” não existe prazo. Ele insistiu: – Mas mãe não é bondade, não é concessão, não é generosidade, não é doação? Mãe não é santidade? Não é tudo de bom que a gente pode ter? A professora concordou que sim. Então – ele resolveu comparar – se a escravidão, que é uma coisa monstruosa, durou trezentos anos no Brasil, se o bloqueio dos Estados Unidos à Cuba, que é uma coisa nojenta, já dura mais de cinquenta anos, se a ditadura militar, que foi uma coisa horrorosa, durou trinta e cinco anos, se os professores do Rio Grande do Sul estão recebendo o salário atrasado há quase cinco anos, o que é uma indignidade, se o Corona vírus não tem prazo para ir embora, se até o Bolsonaro… – Que é que fez o Bolsonaro? – a professora aparteou. – Nada – ele disse – que eu saiba não está fazendo nada… – falou, com a cabeça cheia de números… Cento e cinquenta mil infectados, dez mil mortos, churrasco fake para trinta… Foi quando a professora, querendo terminar aquela conversa, interrompeu: – Então, já que pensas assim, quanto tempo tu entendes que as mães deveriam permanecer conosco? Ele resolveu responder com outra pergunta (era atrapalhado, meio pateta, já foi dito): – Quanto tempo a senhora acha que vai durar o que há de pior no mundo, que é a estupidez humana? A professora fez uma pausa, pensou e respondeu: – Eu considero que ela é infinita, penso que vai existir para sempre – disse. – Pois então eu acho que as mães, que são o que há de melhor no mundo, deveriam durar um pouco mais do que isso – ele encerrou. Depois, ainda falou um “Feliz Dia das Mães” para a professora e saiu da sala de aula sem nem esperar pela nota da redação…

terça-feira, 5 de maio de 2020

ESCOLHA (UM CONTO CURTO)


O revólver, não – havia decidido – não teria coragem de usar. Ainda mais um trinta e oito… Não, definitivamente o 38 assustava. Faca também não seria possível, ele não saberia manejar. Em outras alternativas vinha pensando há tempos: enforcamento, inalação de gás, uma queda das alturas… Nenhuma servia. Quem sabe, entrar caminhando no mar, como fez Alfonsina, a poetisa suiço-argentina? – “Te vas Alfonsina con tu soledad/Que poemas nuevos fuíste a buscar…”. Seria romântico, não deixava de reconhecer. Mas o mar ficava longe, e ele, agora, precisava ser prático, objetivo, cirúrgico. Tinha que resolver rápido aquela situação. Não poderia errar, sabia. Foi então que surgiu a ideia. Sessenta e cinco anos de idade, diabético, hipertenso, sedentário, obeso... Uma aposentadoria mixuruca, um único casamento, a vida toda. Sem filhos. A relação fud... (Nunca dizia “nome feio”, no máximo as iniciais do palavrão). A mulher vivia ainda no mundo da fantasia. Compras e mais compras. Roupas, perfumes, jóias… Carnês e dívidas às pilhas. O cartão estourado, o orçamento estourado, o casamento estourado, ele estourado… Foi então que surgiu a ideia. O Covid-19 havia sido descoberto, no Brasil, em fevereiro. Passaram-se três meses e a pandemia se esparramou. E ele ali, esperando o quê? Sempre fora um sujeito otimista, regrado, patriota. Acreditara na Nova República, no Plano Collor, na infinita bondade dos Estados Unidos e na vitória da Seleção Brasileira contra a Alemanha. Ainda mantinha certa simpatia pelo ex-juiz Sérgio Moro. Jamais imaginou que a Regina Duarte, a namoradinha do Brasil, pudesse soltar puns. Como muitos brasileiros, se desencantou com o PT, como quem se desilude com um produto que promete tirar a mancha da camisa e não tira. E ainda faz a gente ter que virar a gola. Estava assim, um desapontamento só. Agora, havia chegado no limite e a decisão fora tomada. Iria para as ruas. De cara limpa, sem máscara e sem luvas. Buscar aglomeração, contato, movimento. O final era fácil prever. Sessenta e cinco anos de idade, diabético, hipertenso, sedentário, obeso… Pegou o dinheiro para o táxi e se encaminhou para a saída. Foi então que escutou, na sala da casa, no momento em que passava na frente da televisão, escutou, logo após o relato de que havia muitas pessoas morrendo: “E daí? … Quer que eu faça o quê?” – foi o que ele ouviu. Então, parou, por um instante. Olhou para a porta da saída, três metros adiante, olhou para a embalagem de plástico, transparente, atrás dele, a poucos centímetros de distância. Pensou nas notícias que ouvira do país, ainda pela manhã: mais de cem mil infectados, quase oito mil mortos, cidades isoladas… Lembrou dos contêineres para cadáveres, das covas coletivas, do pânico… Chegou a escutar a voz do Aldyr Blanc cantando: “Tá lá o corpo estendido no chão… Em vez de reza uma praga de alguém e um silêncio servindo de amém...”. Então deu meia volta e se achegou à poltrona onde, há quarenta anos, se acomodava para ver o Jornal Nacional. Pegou o álcool gel e esfregou com firmeza por entre os dedos. Sentou. Retirou os sapatos, espichou bem as pernas e exclamou, entredentes:
– “E daí?" E daí é a pqp!

domingo, 3 de maio de 2020

FIM DE SEMANA NO ARROIO GRANDE (Final) - O Clássico!

Enfim, o Clássico! Musiquinha do Canal 100: “Que bonito é, as bandeiras tremulando, a torcida delirando, vendo a rede balançar...”. Gente do céu! Vocês nem imaginam o que é um Clássico – Arroio Grande x Internacional – por aqui. Maior do que Barcelona x Real Madrid, maior do que River Plate x Boca Juniors, maior do que Grenal, do que Brapel, a disputa entre Sacis e Caturritas não têm correspondência neste mundo de meu deus. E assistir um Clássico na live, quero dizer, ao vivo (desculpem, mas não resisti!), é tudibom. Espetáculo, adrenalina, êxtase! De a gente ficar “fora de si” durante dias e dias, antes e depois da partida. Uma história que vai perpassar cinco décadas nestes anos 1980. Que começou com a fundação do Esporte Clube Arroio Grande, em 1939, e do Grêmio Esportivo Internacional, em 1943. Uma trajetória que contou com a participação de dirigentes históricos. Dos dois clubes. O Jonjoca, lá da Granja São Paulo, o Mário Silveira, o Rocco Ardizzone, o Marquinhos Christ e o Arizinho, todos pelo Arroio Grande. O Sílvio Ferreira, o Dr. Nilo Conceição, o Maximiano Muñoz, o Issa Costa e o Alegria, estes pelo Internacional. Isso só para ficar em cinco grandes presidentes de cada um até meados da década de 80. Uma história para a qual os meus amigos, esses que agora jogam bola comigo, certamente darão continuidade. O Cacaio, o Betinho, o David, o Ayres Roberto, o Julinho do Tritri, o Cezinha, e esse guri, o Murilo, que surgiu a pouco, mas que tem uma habilidade… Uma história em que eu tenho por obrigação falar nos meus ídolos, especialmente do ECAG, os que mais eu vi jogar. O Guia, o Orlandinho, o Paulinho da Barraca, o Tino, que até para o Brasil de Pelotas foi, e, o maior de todos, o Ósca, verdadeira lenda do futebol Saci, ao lado do Agapito e do Ari Lúcio. Mas tenho que falar ainda dos craques do passado, como o clássico Duarte, o “trator” Chirú e o “matador” Martim, entre tantos outros do clube encarnado... E contar também do respeito, do carinho e da consideração que sempre tive pelos adversários. Amigos que fiz, dentro e fora do futebol, e que me deram igualmente o prazer de assisti-los, muitas vezes torcendo por eles. Ídolos também entre o rival, porque não? Como não reverenciar um goleiro como o Oswaldo Brito, um zagueiro como o Di, um meio-campista com a técnica de um Adel e um centroavante goleador como o Cacaio? Isso sem falar nos mitos Caturritas, como o Gita e o Naiter. E nos craques do passado, como o Herculano, o Arlei, o Casquinha, o Prego, o Sergio Papagaio e o exímio cabeceador, Dante, o "guri pequeno", só para ficar em alguns. E o Ademir e o Caminhão e o Marrequinho? E o Wilson do Ari e o Bibico e o Mosquinha, como esquecer? E o Paulão? Que capriche nas palavras quem quiser contar do futebol do Arroio Grande – de campo, de salão, de sete – quando se referir ao Paulão. Um monstro! Portanto, me desculpem, mas como eu poderei contar de apenas um único jogo, um só, se até a metade destes anos 1980 (em que década estamos, afinal?) já foram disputados mais de cem clássicos? E todos eles com alma, com dedicação, com a intensidade e o vigor que os grandes encontros exigem… Uma história que começou com folgadas vitórias do Arroio Grande, nos anos 40 e 50, inclusive com a maior de todas as goleadas – 12X0 – na inauguração do Estádio Caturrita, no dia 9 de março de 1947. Uma história que seria equilibrada, mais tarde, pelo timaço do Internacional da década de 60, quando também impôs vigorosa goleada ao Saci, por 6X1, numa partida que, os espectadores garantem, poderia ter sido vencida pelos Caturritas por uma diferença ainda maior. Como posso falar de apenas um jogo, se no primeiro Clássico que lembro de assistir, ao lado do meu pai, acabei vendo o Guia fazer um gol maravilhoso no goleiro Neneco, com um chute divino, desses de abertura de programa de televisão, isso em dezembro de 68, faltando poucos dias para o meu aniversário de guri? E como eu poderia omitir a falta cobrada pelo meu amigo Ayres Roberto, lá do meio da rua, contra o nosso maior ídolo, Ósca, se, antes mesmo de ver a bola beijando a rede, eu já estava escutando o narrador da Rádio Pelotense, que veio aqui especialmente para transmitir a partida, reverberando: “Deu tiruliruli, deu tirulirulá, e… que gol!!!”. Como esquecer dos grandes treinadores, feito o Carrapicho, o Chico Fulero, o Arizinho e o Charuto, além do próprio Gita, entre tantos outros. E dos massagistas, como o Irineu, o Totonho e o Gralha, pelo ECAG, ou como o Alicate, o Cunha e o Alcindo, pelo GEI, só para ficar em alguns. Ou dos torcedores símbolo de cada equipe, aqueles “povão”, de arquibancada mesmo, feito a Eva Marlene e o Pedro Truvisco, pelo Saci, e o Chichano e o Drácula, pelos Caturritas. Como não homenagear a todos? E como não falar também no extracampo, nas vezes em que os resultados foram decididos nos tribunais, no “Tapetão”, como se diz na gíria do futebol. Aliás, reza a lenda que, uma ocasião, o representante do Internacional não resistiu aos tragos do Bar Madelaine, em Pelotas, e acabou ficando por aqui mesmo, sem sair da Zona Sul, perdendo o julgamento na Capital. Em outra feita, um dirigente Saci, que havia viajado na véspera para Porto Alegre, teria dormido mais do que devia, certamente ainda enlevado pela estonteante fragrância de um conhecido perfume da “Gruta Azul”, e também deixou de ir à Sessão do Tribunal. Histórias, histórias… Por isso eu sei, eu admito, eu compreendo que, ambos os lados, Sacis e Caturritas, querem sempre mais, “precisam” de mais, e, cada qual, gostaria de ver descritas, aqui, mais e mais vitórias do seu time. Bueno, mas para contar tudo isso, essa história rica, poderosa, inesgotável, eu precisaria de um livro com, no mínimo, umas quatrocentas páginas, não lhes parece? É muita história, meus amigos. E imagina o que ainda poderá acontecer desta segunda metade dos anos 80 para a frente? Porque – e olha que eu sou bom de previsão – se tem uma coisa que nunca vai morrer é o futebol daqui. Nada vai conseguir terminar com a força do nosso futebol… A gente vai seguir conversando, sobre os clássicos daqui, por décadas e décadas… Isso porque se a gente não der bola para os estúpidos e irresponsáveis, se a gente escutar as recomendações dos profissionais da saúde e se cuidar direitinho, a gente vai chegar tranquilamente aos anos 2020. Quando vê até passa!


Imagens:
I – Flâmulas do E. C. Arroio Grande e do G. E. Internacional.
II – Fotografia histórica: A cúpula do E. C. Arroio Grande junto a autoridades locais, e com o Presidente do coirmão, G. E. Internacional, convidado, na inauguração do Estádio Astrogildo Silveira, em janeiro de 1954.
III – Sílvio Ferreira, Issa Costa e Maximiano Muñoz - Grandes dirigentes do GEI.
IV – A defesa do GEI dos anos 60 e o ataque do AG dos anos 50 – Força e poder.
V – Gita e Agapito, nos cantos da fotografia - Dois craques para além do futebol local.
VI – Ari Lúcio e Naiter, dois mitos do futebol local.
VII – Ósca e Osvaldo, duas lendas do futebol.
VIII – Arizinho e Charuto – Os professores que sabiam demais.
IX – Alicate e Irineu – símbolos de dedicação aos nossos dois grandes clubes.
X – Duas formações dos anos 1980.
XI e XII - Jogadores símbolo dos anos 80.
XIII – As apaixonadas torcidas.

(Todas as fotografias constam do livro “O Clássico – Uma história de paixão" – obra do autor – 2011 – ou do blog autorretratopedroblogspot, ou, ainda, são parte integrante de algum texto do autor publicado nos jornais da cidade ou em redes sociais).

sexta-feira, 1 de maio de 2020

FERIADO – OPÇÃO DOIS (DA SÉRIE FIM DE SEMANA NO ARROIO GRANDE – PARTE VII)



Feriado de 1º de maio no Arroio Grande. Cidadezinha pequena, tranquila, nada para fazer por aqui… Como assim, nada para fazer? As opções de matear e almoçar na zona urbana, de ir para o leste ou incursionar pelo lado oeste não serviram? Pois então vamos trocar de bandas. Vamos rumar para o lado o norte, e para o sul, e, se for preciso, novamente para o leste… Mas vamos procurar outros caminhos por esta zona de fronteira, nada vai nos impedir de aproveitar o feriado, ora bolas! Que tal, por exemplo, irmos visitar o local onde existiu uma charqueada, aquela situada próximo a foz do arroio Chasqueiro, junto à Lagoa Mirim, construída lá pelos anos 1860? Ou quem sabe seguimos até Santa Izabel para percorrer a nossa pacata vila de pescadores e já aproveitar e comprar algum filé de traíra, para saborear e também auxiliar na economia local? Hein? Daí já aproveitamos a proximidade e inspecionamos os restos do Forte São Gonçalo, ali na região do Liscano. A fortificação que protegia estes torrões de possíveis invasões castelhanas, construído em 1754 – eu disse mil setecentos e cinquenta e quatro – vejam só! Convém lembrar que estamos nos anos 1980, já se passaram mais de 220 anos do erguimento do Forte, e essas marcas não vão durar para sempre, não é verdade? Bem, amigo, mas se isso também não serve, e se quisermos realmente aproveitar este dia, vamos tentar novamente estender o nosso passeio até algum município vizinho, pode ser? Quem sabe Pedro Osório, daí passamos a tarde acampados próximo à ponte férrea existente sobre o Rio Piratini, ali, na passagem para o Cerrito? Não? Que tal então Jaguarão, que tem como atração a conhecida Ponte Internacional, ligando o Brasil ao Uruguay, assim como ainda mantém as ruínas do centenário prédio da Enfermaria Militar… Também não serve? Não quer gastar comprando Crush, Norteña ou butifarras no Rio Branco? Mas lá é feriado também – Dia Universal do Trabalhador, lembra? Nada de compras, embora seja certo que a Parrillada Tacuary está funcionando, assim como também deve ter alguma carrocinha de pancho próximo à Praça do Arredondo, na Cuchilla, para a gente se alimentar. Eu sei, eu sei… É muita opção e o amigo já está meio atrapalhado, afinal, não dá para fazer nem a metade desse roteiro em apenas um dia, não é? Então, como é que não tem nada para fazer no 1º de maio por aqui? Tem tudo isso e muito mais. De dia e até de noite, já que podemos terminar o feriado colocando a prosa em dia, falando desse eterna desigualdade existente entre o que ganham os que trabalham (pedreiros, balconistas, professores, enfermeiros, agentes de saúde - agora a gente conhece, né? e outros tantos) e os que detêm o capital (aqueles que vivem só de grana, plata, money, saca?), e, inclusive, conversando sobre o.... Putz, lembrei! Vai ter Clássico no final de semana. Até que enfim! Quanta expectativa… O que, afinal, poderá acontecer na tão esperada partida de domingo? Vai ganhar o Saci? Vencerá o Caturrita? Vai dar empate? Será que a bola vai rolar realmente? Então, vamos lá, vamos aproveitar o fim de feriado, nesta sexta-feira outonal, enquanto aguardamos o Clássico. Vamos apostar, brincar, celebrar… Vamos comemorar, amigo, festejar a vida, ficando em casa ou saindo, mas com total segurança, fazendo o que os tempos permitirem que a gente faça, na cidade que amamos e que escolhemos para viver. E que tem, sim, muita coisa para fazer, nos anos 1980 ou em qualquer tempo. Afinal, alguém já disse ou ainda vai dizer, talvez até em forma de canção, sobre o nosso Arroio Grande: o Paraíso é aqui!


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Imagens:

I e II – Charqueada (Acervo de Clara Maria Silveira de Ávila Campelo – Clarinha).
A primeira imagem consta do livro “14 personagens e 5 vultos históricos do Arroio Grande” – Org. do Autor – 2018 – pág. 52, ilustrando texto de Lizandro Araújo de Carvalho sobre a vida do charqueador Antônio Gonçalves de Aguiar (1808–1878).
A segunda imagem é de uma reprodução feita por Flávia da Conceição Corrêa.
III e IV – Vila de Santa Izabel (Fotografias do autor).
V, VI e VII – Forte São Gonçalo (Acervo de Flávia da Conceição Corrêa).
VIII – Ponte Internacional Mauá (Fotografia do autor).
IX – Parrillada Tacuari (Fotografia do autor).

FERIADO – OPÇÃO UM (DA SÉRIE FIM DE SEMANA NO ARROIO GRANDE – PARTE VI)


Feriado de 1º de maio no Arroio Grande. Cidadezinha pequena, tranquila, cerca de dezessete mil habitantes, nada para fazer por aqui… Como assim, nada para fazer? Quando a gente tem a obrigação de ficar isolado, quando existe alguma pandemia, risco de vida, essas coisas, aí sim é que devemos ficar em casa, mesmo que não se tenha nada para fazer. Mas estamos em 1980, entre os anos 70 e 90 (em que década vivemos, afinal?) e tem muita coisa, sim, para se fazer por aqui. O amigo não sabe? Então, venha, vou te convidar para um passeio. Primeiro é preciso uma definição: para onde ir. Vamos ficar na cidade ou sair para os arredores? Bueno, se a escolha recair em permanecer na zona urbana, o chimarrão da manhã poderá ser na praça central, denominada Praça Maneca Maciel, mas que muita gente confunde chamando de Praça Zéca Maciel, que é aquela que fica lá perto do campo do G. E. Internacional. Para esclarecer: O Maneca, era Manoel Antônio Maciel (n. 1848; f. 1930), um ex-intendente. Já o Zéca, era José Antônio Maciel (n. 1847; f. 1914), um boticário, proprietário da Pharmácia Maciel. Portanto, amigo, é para não errar mais. O político, mas político mesmo, o tradicional, costuma andar sempre próximo ao “centrão”, e ficar com a fatia, digamos mais polpuda de tudo, inclusive das honrarias. Já quem cuida da saúde dos outros, como o farmacêutico, quem arrisca a vida tratando de “gripezinhas”, inclusive dos políticos, fica mesmo é com o que sobra. “E daí?”. Talkey? Mas, andiamo... Outro lugar bom para matear, é o popular “Prado”, como é chamado o Parque Guilhermino Dutra, que possui esse nome em homenagem ao abastado produtor rural, vice-intendente do município na gestão do delegado Severo Feijó, de 1908 a 1912. Vai daí que, no retorno do chimarrão, seja ele sorvido na praça ou no prado, o nosso programa pode ser o tradicional almoço do Dia do Trabalhador, realizado quase sempre na Liga Operária. Ali, comparecem, todos os anos, alguns servidores públicos e outros trabalhadores, que são, com toda a justiça, homenageados. Também participam do repasto certos “homens públicos”, sempre mui interessados em fazer média com a “bóia dada” para os obreiros. Junte-se a isso muitos puxa-sacos dos que patrocinam o almoço, alguns convidados e curiosos, e estará pronto o cardápio do dia. (Aliás, a data do Trabalho deveria servir sempre para uma reflexão: se um dia, por qualquer motivo, os trabalhadores pararem de produzir o que consumimos, o dinheiro servirá para adquirir o quê mesmo?). Mas, continuemos… Bueno, se acaso o amigo não quiser permanecer na cidade podemos partir para uma outra programação, que é visitar pontos da zona rural do nosso município, lugares que todos escutam falar, mas que poucos realmente conhecem. Posso sugerir? Vamos fazer assim: primeiro visitamos o lado leste e depois o lado oeste, pode ser? Então vamos logo rumo ao Farol da Ponta Alegre, que, embora desativado há décadas, parece ainda guardar os seus encantos de fiscal das águas da Lagoa Mirim, desde o ano da sua inauguração, em 1908. Ou, quem sabe, damos uma guinada na rota para conhecer a “Ponte do Arroio Grande”, mais conhecida como “Ponte Mauá”, do antigo caminho ferroviário? Aliás, indo para aqueles lados, podemos aproveitar e visitar também o Obelisco Mauá, erguido no local onde nasceu Irineu Evangelista de Souza, o mais importante empresário da história do Brasil, o filho mais ilustre do Arroio Grande, afinal, o monumento está ali desde 1926 e pouca gente vai até lá. Não? Então que tal fazer diferente e se aventurar pelas Furnas da Bocanha, onde o meu amigo, Marcos Prestes, o nosso “cientista maluco”, costuma fazer seguidas incursões, com direito a lanterna, capacete, macacão e algum traguinho, todos certamente protetores, já que não se sabe bem que vírus é possível encontrar naquelas cavernas, de tantos morcegos que lá habitam… Não serve? Não sentiu firmeza? É muita aventura? Pois então vamos continuar no rumo oeste e, se o amigo não for bairrista, podemos sair dos limites do Arroio Grande e conhecer a beleza dos nossos vizinhos, por que não? Que tal seguir rumo ao velho Herval de guerra, para comer o famoso bife do Édio, o maior e mais macio do Estado, e depois apreciar a beleza da piscina natural, lá debaixo dos cerros, mor orgulho dos hervalenses? (Eu sei que têm amigos que prefeririam ir até o Herval para “sestiar” no cabaré da Chinesa, mas aí já é outra história, né, ataia, ataia…). Bueno, falando em história, mas em acontecimento histórico, alternativa interessante seria seguir até Pedras Altas para visitar o Castelo do Assis Brasil, onde, em dezembro de 1923, foi assinado o Pacto que pôs fim a Revolução Federalista de 23, aquela peleia entre chimangos e maragatos, conhece? Baita visita, não é? Não gostou? É longe demais? Sem problemas, vamos trocar de página, quero dizer de roteiro, e em seguida criamos uma outra opção para aproveitar este feriado com sol por aqui. Pode ser? Só mais um tempinho, amigo, já vamos incrementar a segunda parte do nosso passeio. Vamos lá?

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Imagens:

I – Churrasco, provavelmente no pátio da Liga Operária, anos 1960/70. Na fotografia aparecem Carlos Ferreira Filho, o Nicolau, e Adílson Feijó, entre outros (Acervo do autor).
II – Churrasco na Liga Operária. Aparentemente, trata-se de um encontro de diretoria, com alguns sócios, não estando vinculado ao 1º de maio. O autor identifica dez dos doze personagens da fotografia, mas deixará para os leitores o exercício de reconhecimento (Acervo da Liga Operária, com cópia para o autor).
III e IV – Farol da Ponta Alegre e porta do farol (Fotografias do autor).
Fica o registro de que as fotografias são posteriores ao período referido na crônica.
V – “Ponte do Arroio Grande” ou “Ponte Mauá” (Fotografia de Márcia Horner).
VI – Obelisco a Mauá (Do livro “14 personagens e 5 vultos históricos do Arroio Grande” – Org. do Autor – 2018 – pág. 225).
VII – Furnas da Bocanha (Antigo postal do Arroio Grande. Acervo da Profª Flávia da Conceição Corrêa).
VIII – Bife do Édio/Herval. Na imagem aparece Claudionir Coelho, o “Kiko”, amigo/irmão do autor (Fotografia do autor).
IX – X – XI – Castelo de Pedras Altas. Na última imagem, o autor e o Dr. Sergio Canhada, no salão do castelo onde, em 1923, foi assinado o “Pacto de Pedras Altas” (Fotografias do autor).