sábado, 29 de março de 2008

VAIDADES


Guardadas as devidas proporções, todo lugar tem o seu Diogo Mainardi, que é o cara que se promove falando mal de (quase) tudo, tem também aquele outro que se promove puxando o saco de (quase) todos, tem a sua Gisele Bunchen, a menina que desfila bonito pelas ruas da cidade, tem o seu Ronaldinho Gaúcho, o guri pobre que se apresenta desde muito cedo como promessa no futebol; cada lugar possui, enfim, todos os tipos que se sobressaem num universo maior, guardadas, como se disse, as necessárias proporções entre essas personalidades e os seus “genéricos”, paridos e vividos nas pequenas paróquias.
O problema é que, de tanto verem exaltadas tais “semelhanças”, normalmente aqueles que se “parecem” com os personagens principais, acabam, por exacerbada vaidade, pensando que realmente são o Diogo Mainardi, ou o Ronaldinho Gaúcho, ou a Gisele Bunchen, e etcetera, etcetera.
Please, please. Nós vivemos, como já diziam Os Engenheiros do Hawai, “longe demais das capitais”, e as nossas pretensões e manias de grandeza esbarram também nas nossas limitações, nas nossas dificuldades, na nossa própria pobreza.
A ninguém é proibido sonhar – em ter reconhecimento, crescer, ser “algo mais” – mas não se pode confundir sonhos com fantasias, desejos com ilusões, e não é porque temos a internet ao alcance das mãos que chegamos ao topo do mundo, e que logo logo estaremos em Nova York, que, pelo google earth, fica bem ali, numa leve guinada do mouse à direita...
Menos, menos. Pra começar, a nossa “comparação” (se é que isso deve servir como motivação), bem que pode ser buscada na própria aldeia, e, muitas vezes, já se revelará de difícil alcance, pelo próprio brilho dos nossos melhores exemplos.
Os guris que correm atrás da bola, por exemplo, que pensem primeiro no futebol que o Ósca e o Marrequinho jogavam, e descubram inclusive o que não devem fazer do que eles fizeram pra ter um futuro melhor no esporte...
Da mesma forma, as gurias bonitas da cidade vão precisar de muita inspiração e ginástica pra chegar próximas à graça e o encanto da Manu - esplendorosa no último carnaval - ou à beleza exuberante da Valéria, a eterna garota verão, o que, convenhamos, já é de arrebatar qualquer um.
Ah, e tanto os que vivem de falar mal como os que não cansam de puxar o saco dos outros, bem que poderiam buscar uma postura mais honesta, assim como todos nós deveríamos ser menos exibicionistas e mais generosos, produzindo notícia, arte, literatura... para o bem de todos e nunca para o mal de alguns na cidade.
Eu, por exemplo, já sonhei um dia em ter o texto de um David Coimbra ou, quem diria, de uma Martha Medeiros.
Hoje, consciente das minhas limitações, luto com dificuldades para ser ao menos original a cada semana. Me esmero para - sem qualquer inveja - tentar me aproximar nem que seja só um pouquinho da escrita perfeita do Arnóbio, ou para estar próximo à criatividade incessante do Caboclo, pelo que, confesso: se chegar minimamente perto deles já estará bom demais...

quinta-feira, 27 de março de 2008

Próxima crônica - Vaidades

Na próxima sexta-feira, no Jornal "A Evolução", uma crônica que chama a atenção de um entre os conhecidos "sete pecados" - a vaidade - presente, e muito, mesmo aqui entre os pobríssimos "bretãos" de uma paróquia não britânica. Para inglês não ver e para a gente (se) reconhecer. Será?

sexta-feira, 14 de março de 2008

ENFIA UMA MELANCIA NA CABEÇA* (MARÇO/2008)



Queres aparecer?! Enfia uma melancia na cabeça! A frase é do meu tempo de guri e nem sei se ainda existe. Possuía, obviamente, um sentido figurado. Eu nunca soube de alguém que tenha realmente enfiado uma melancia na cabeça. Aliás, nem um melão, decerto menos incômodo que a herbácea verde, de origem africana, muito comum entre nós, especialmente no verão.
Vi, é verdade, homens e mulheres utilizando colares em formato semelhante a cachos de banana, em algum baile de carnaval ou festa havaiana, depois de um lança perfume ou de muitos uísques, o que não justifica, mas pode explicar tamanho disparate. Mas melancia não, que aquilo deve incomodar, ainda mais na cabeça. Mas isso de se dizer “enfia uma melancia na cabeça” é muito antigo e parece agora fora de moda Hoje, quem quer aparecer deve se valer de outros métodos. Na linha dos alimentos, a cenoura e pepino têm feito alguns famosos, assim como certos “lambuzantes” - leite condensado e chantilli - ou ainda manteiga a la Marlon Brando e Maria Schneider no Último Tango, enfim quase tudo, menos a curcubitácea. Melancia não, é demais, mesmo para aparecer.
Mas o que fazer, então, pra se mostrar, pra ser notado? Aparecer no big brother? Criar um blog e (de preferência) falar mal dos outros? Isso até pode fazer sucesso, mas não é pra qualquer um. Mais comum é tocar um pagodezinho, namorar jogador de futebol, ou artista chegado a escândalo, ou tirar a roupa e colocar as fotos na rede. Tudo o que a gente já viu de quem realmente “apareceu”, nem que fosse por trinta segundos.
Mas, e aqui em Arroio Grande, que não tem artista, nem jogador famoso, nem sister pelada (não?), o que fazer pra aparecer? Ou melhor, de que lado ficar, entre as muitas divisões da cidade, para ser notado???
A favor da Votorantim ou contra o plantio de eucalipto? Defender o “progresso” ou o meio-ambiente? Concordar com a vitória da Promorar no Carnaval ou discutir o resultado? E para dizer as coisas publicamente, em qual jornal é melhor escrever? Na “Evolução”, no “Meridional” ou no “Correio do Sul”? Onde é que se aparece mais? No clic noturno, no gente que faz a acontece ou no... E na política? É melhor aparecer no PDT ou pertencer ao PP, os dois grandes da cidade? E o que dá mais Ibope, ser radicalmente contra o Prefeito e sempre falar mal dele ou estar o tempo todo a seu favor, como os puxa sacos de plantão? Hein? O que é melhor fazer para aparecer nesta terra do banqueiro Mauá? Pagar as contas em dia ou ser um eterno caloteiro e rir todos os dias dos que foram passados pra trás? Hein?!?
Sei não, sei não... O preço que se paga pra aparecer pode ser alto demais e às vezes acaba custando amizades, o trabalho, a própria história da vida da gente... Pois pra saber o limite entre o que fazer pra deixar de ser um simples anônimo e “aparecer” é preciso um mínimo de discernimento, um mínimo de autocrítica o que, convenhamos, dá um trabalho danado. Tem muita gente, aliás, que, entre fazer a tal autocrítica ou simplesmente aparecer, ainda prefere enfiar uma melancia na cabeça... e até mais.
* Na verdade, o autor não desconhece que a frase original é "pendura uma melancia no pescoço", ou algo parecido, mas a 'idéia' foi irresistível...

VIRADA DE ANO (2007)



É certo que todo mundo tem o seu final de ano inesquecível, mas bom, bom mesmo, é quando a gente é ‘novo’, e pode “terminar” uma mudança de ano com uma grande molecagem, sem compromisso de voltar pra casa, sem nem mesmo dormir, sem remorso, sem nada...
Início dos anos 80, mais uma virada de ano, já dia primeiro de janeiro, 6 da manhã. A fauna, completamente trôpega das festas, se arrasta pelas ruas da cidade, decidida a “emendar” as datas, sob o argumento, simplista mas lógico, de que “isso só vai acontecer de novo daqui a um ano”. Em seguida, ali pela Visconde da Mauá alguém propõe algo meio estranho àquela hora: uma partida de futebol.
Eu, o Donga, o Fábio Bonneau, o Geco “do Charuto”, o Eduardo “Fininho”, dois dos terríveis “irmãos Gita”, o Gilnei Bretanha e o Carlos Fernando, pelo que consigo lembrar, estavam nesse “pacote”, ao qual se incorporaram outros e também o Dé, a que, nós encontramos já quase na saída da cidade. Conversa vai, cerveja vem, ficou resolvido que a partida seria na “Prainha”, pra onde acabamos indo em vários carros.
Do jogo mesmo, quase ninguém recorda, sendo que, ao contrário, tem “jogador” que até hoje sequer lembra de ter estado no “famoso” Derby da Lagoa, onde as “goleiras” foram marcadas com caixas de isopor devidamente abastecidas.
Uma jogada, porém, todos recordam, porque anormal, bizarra, realmente inesquecível. Alguém - mais pra se livrar da bola do que por qualquer outra coisa - chutou de longe contra o gol adversário, o “nosso” gol, defendido pelo Dé. O chute foi um escândalo, sem força, arrastado, rasteirinho, uma coisa ridícula, incomum até nas “peladas”.
Quem chutou ainda gritou “pega!” antes de se livrar da bola que saiu lenta, grudada ao solo, carregando areia, como que querendo furar o chão, numa viagem sem vontade, sem pretensão alguma, pra não chegar mesmo.
Mas chegou. Branda, passiva, ela chegou sem força bem no meio do gol onde deveria estar o Dé. Mas o nosso goleiro, sabe-se lá por que prejuízo dos reflexos, resolveu dar um salto teatral, extraordinário, soltou um grito – “Oppa!” – e foi lá pra cima, pro alto do canto esquerdo, enquanto a bola entrava rasteirinha bem no meio do gol, sem nenhum empecilho, por baixo de onde recém estivera o corpo do Dé, antes do seu vôo coreograficamente impressionante.
Gol! Gol deles, gol contra nós, num frango sem igual, de uma plasticidade incrível, o mais majestoso frango que o futebol de areia já assistiu.
Pois depois de ver aquela bola ultrapassar a nossa meta, parando, por falta de força, poucos centímetros após a linha imaginária do gol, o Carlos Fernando não resistiu, olhou pro Dé estatelado no chão, totalmente fora do rumo da bola e reclamou, num misto de cobrança e gozação: - “Pomba, neguinho, assim não dá, nem essa tu consegue pegar!” – disse - enquanto o pessoal se dobrava de rir daquela cena antológica.
O Dé levantou desajeitado, se ‘estapeando’ pra retirar a areia que grudara no seu corpo, todo dolorido depois da queda exagerada, olhou brabo pro Carlos Fernando e, crispado, respondeu: - “Ah, ah, querias o que, queridinho, uma bomba dessas ‘no ângulo’, éééééé indefensável, indefensável...” – repetia, gaguejando, com a cara mais ofendida possível, naquele momento incomparável.
Dedéco, Dedéco, Professor da escola e da vida, pessoa maravilhosa, amigo de longa data. Feliz 2008, meu velho, pra ti e pra todos os nossos companheiros daquela e de tantas outras histórias de uma mocidade que não deveria nunca acabar...

CEM ANOS (2007)


Em 1987, de passagem pelo Rio de Janeiro, resolvemos - o Neneco Silveira, o Birinha do Gita, o Kiko e eu - ir ao show “Francisco”, estréia do Chico Buarque, no Canecão, Centro do Rio.
Um pouco antes de iniciar o espetáculo, folheando o folder de apresentação das músicas no saguão da Casa, eu fiquei meio sozinho, sem os amigos de Arroio Grande por perto. De repente, conversando ao meu lado, dois personagens bem conhecidos: ela, uma musa da bossa nova, a cantora Nara Leão; ele, uma lenda viva do Brasil, o arquiteto Oscar Niemeyer.
Eu fiquei parado, admirando aqueles ícones da cultura do País. Tomei coragem e me aproximei. Cumprimentei a Nara, pedi licença e espichei a mão para aquele cidadão à época com 80 anos de idade. – “Senhor Niemeyer, é uma honra poder apertar a mão de um homem como o Senhor!” – foi só o que consegui dizer, espichando o braço em direção ao arquiteto mais famoso do Brasil. - “Que é isso, meu filho, o prazer é todo meu” – ele disse, também estendendo a mão e abrindo um sorriso amistoso e franco, como só os grandes podem distribuir a um simples desconhecido.
Trocamos meia dúzia de palavras, em especial sobre o Partido Comunista, uma paixão que nos unia à época, sem evidentemente qualquer comparação entre a minha pobre militância e a contribuição inigualável do Niemeyer à causa dos vermelhos.
Pois nesse dia 15 de dezembro de 2007, Oscar de Niemeyer completa cem anos de existência. Cem anos de lucidez, de honradez, de uma integridade como poucos neste país.
Cem anos do homem que, há poucos dias, perguntado sobre o sentido da vida, definiu tudo em uma única palavra: - “Vida é Solidariedade!” - disse, utilizando-se de uma expressão de grandeza irretorquível.
Pois cem anos é quase todo o tempo de existência de um Arroio Grande. Cem anos remonta à época do nascimento dos personagens do João Félix Soares no livro “O Cigarro ensangüentado e outros contos”, atual atração da nossa Feira do Livro. Cem anos é o tempo que levaram gerações inteiras pra construir fortuna – no Chasqueiro, nas Bretanhas, na Costa... – para tudo ir embora rapidinho, pela inutilidade de alguns, pouco tempo depois.
Cem anos é mais do que viveram muitos velhos que eu amei, como a Dona Candinha, pessoa maravilhosa, cartomante fajuta das Três Marias, paixão da minha infância. Cem anos é o que teria o meu avó Guadil, pai do meu pai, estes que já me deixaram a algum tempo, pensando no que fazer da vida sem eles, pensando numa vida que não dura nem perto de cem anos pra quase ninguém.
Pois para Oscar Niemeyer tomara que dure ainda mais. Para o cidadão que um dia eu tive o prazer de cumprimentar, e que se encontrasse novamente agora – vinte anos depois – diria repetitivamente: - “É uma honra poder apertar a mão de um homem como o Senhor!”
E ficaria, como fiquei, com a marca desse aperto de mão na minha alma, no mínimo por mais cem anos, por um tempo inestimável, definitivamente...

GUMERCINDO SARAIVA (2007)


Quem anda pelo Arroio Grande, entre os caminhos da Souza Gusmão e da Severo Feijó, irá se deparar com uma rua de nome comprido, um pouco estranho, meio pomposo, um nome antigo: Gumercindo Saraiva.
Mais do que a expressão de um lugar, essa rua, que hoje faz esquina com tantas quadras pela cidade, traz o nome de um personagem, talvez o maior desta terra sem grandes personagens, um combatente, um caudilho, um “quase herói”...
Gumercindo Saraiva, filho de Francisco e Pulpícia da Rosa, criador de gado, estancieiro, delegado de polícia, guerrilheiro e General revolucionário, nasceu em 13 de janeiro de 1852 e foi batizado na paróquia de Arroio Grande, o que correspondia ao Registro Civil da época, ficando oficialmente declarado como filho desta terra.
Pois em 10 de agosto de 1994* foram-se cem anos, um século, uma imensidão, o tempo que o General Gumercindo deixou de lutar pela liberdade no Rio Grande.
Uma bala no peito na batalha de Carovi (lugar próximo à Itaqui, quase fronteira com a Argentina) terminou com a vida do comandante maragato, pondo fim ao seu sonho revolucionário.
Porque Gumercindo Saraiva, criado entre os “blancos” e as quesilhas uruguaias, lutador e estrategista, perseguido e preso com a proclamação da República no Brasil, chegou a ser por um instante a própria Revolução de 93. Um obstinado combatente, numa verdadeira guerra civil, a pior e mais sangrenta que o país já conheceu.
A chamada Revolução Federalista de 1893 – movimento rio-grandense de contestação ao governo de Floriano Peixoto – foi, certamente, o mais agudo momento da história do povo gaúcho. Com o Rio Grande dividido ao meio, na luta entre “maragatos” (federalistas, revolucionários) e “pica-paus” (republicanos, partidários de Júlio de Castilhos), morreram 1,5% da população do Estado, número que hoje corresponderia a quase 300 mil gaúchos, que é como se todos os habitantes da cidade de Pelotas de repente deixassem de existir.
Pois Gumercindo Saraiva que, vindo do Uruguai, foi, junto com Joça Tavares, o primeiro a invadir o Rio Grande (por Aceguá, Bagé), percorreu em luta quase 2.500 Kms. numa das maiores marchas militares de toda a América Latina, revelando-se a grande ameaça ao poder de Júlio de Castilhos e à incipiente República, tornando-se um símbolo daquela revolução, dos seus erros e dos seus acertos, das dúvidas e incertezas da época, do heroísmo, da bravura...
A falta de repercussão em Arroio Grande – terra oficial de Gumercindo – de toda essa rica história, dá a exata noção do desinteresse e da pequenez cultural em que vivemos.
Arroio Grande merece que refaçam parte da história da cidade, assim como Gumercindo não merecia que esquecessem da sua. Uma história que fez dele o grande personagem desta terra e que, por isso mesmo, não poderia acabar simplesmente esquecido numa placa de rua qualquer...

(*) publicado originalmente em 12 de agosto de 1994

LEMBRANÇAS (Entendendo meu pai...) 2007

O livro de cabeceira de meu pai sempre foi “As amargas, não...”, lembranças do escritor Álvaro Moreyra, um gaúcho de Porto Alegre, mas que viveu quase toda a sua vida no Rio de Janeiro, até morrer em 1964.
O livro teve a sua 1ª edição em 1954 e meu pai adquiriu o seu exemplar pouco tempo depois, carregando-o em suas andanças por cerca de cinqüenta anos.
Li “As amargas, não...” duas ou três vezes, mas nunca consegui entender por que o livro sensibilizava tanto meu pai; que motivos, afinal, faziam com que o inquieto Pedro Bittencourt dedicasse tamanho apego a uma única obra.
Tenho indícios: Álvaro Moreyra foi um grande escritor e possuía impressionante conhecimento de literatura. Numa época em que se liam os clássicos – Cervantes, Dumas, Balzac... – ele cultuava principalmente os escritores franceses, Anatole France e Paul Verlaine, entre outros.
Álvaro foi também fortemente influenciado por Jules Laforgue, um francês nascido acidentalmente em Montevidéu e que morreu aos 27 anos, deixando uma obra intrigante. Não por acaso, meu pai também celebrava Laforgue quase que obsessivamente.
A cultura francesa, aliás, ainda era a de maior influência na primeira metade do Século XX, e Álvaro, como Pedro faria mais tarde, viajou pelo mundo através da literatura e da poesia, e ambos leram em francês, em espanhol e em latim, e amaram com o mesmo ardor Lisboa e Paris, o Rio de Janeiro e Porto Alegre, as bibliotecas e as casas onde nasceram...
Álvaro foi um poeta que estudou Direito e virou escritor, Pedro um poeta que estudou Direito e virou advogado; os dois não se comparam, mas se parecem aos olhos daqueles que vivem do improviso das palavras.
Ambos foram, na verdade, extraordinários frasistas, conseguindo manifestar complicados pensamentos através do jogo de palavras: “O que estraga a vida é o estado normal”. “Nada é, tudo parece”. “Troco tudo o que consegui pelo pouco que desejei”, sendo difícil definir agora quem disse o quê, pois na história da humanidade “tudo o que há, houve, nunca deixou de haver...”.
Hoje, sei que compreender melhor “As amargas, não...” significa entender um pouco mais meu pai, e a inaptidão que os poetas têm de conviver com a miserável realidade.
A melhor definição desses “fabricantes de sonhos” talvez esteja numa passagem do livro do próprio Álvaro, onde o escritor, sem atribuir qualquer referência, diz apenas: - “Artista puro. Homem bom... Tinha um humorismo otimista, uma ironia comovida, um sorriso de menino ainda molhado de lágrimas...”.
Que linda definição para um poeta, desses que passam à vida inteira repetindo: “A vida é hoje!”, “É agora!”. E assim foi, e assim é...

ENQUANTO O BAURU NÃO VEM... (2007)


Fui procurar hoje três coisas: Um bife com fritas pra comer, um lugar pra ler um livro do Borges e um violão pra escutar. Não encontrei nada, nem o livro do Borges. Daí eu pensei: internet, orkut, msn, blog, a globalização me pegou, e eu aqui sem sono e de pijama, sem ter onde comer um bife com fritas, sem ter pra onde ir e ainda falta uma hora pra essa quarta-feira acabar, que merda!
A bunda quadrada de tanto enfrentar a banda larga, aquelas big brothers perfeitas a disposição nos sites, às salas de sexo virtual disputadíssimas, tudo tri-excitante tchê, e eu me encostando no corpo da mulher que realmente desejo e atrasando mais uma vez o sono dela que precisa acordar mais cedo, pra trabalhar ainda mais, tudo porque a governadora já decidiu que ela vai ganhar menos no mês que vem e menos ainda depois e futuramente menos também...
E eu aqui sem sono e de pijama, sem bife e sem ter pra onde ir. Melhor então me entupir logo com um lanche de tele entrega e voltar pro orkut ou pra o msn onde com certeza alguma “casada-só/29” desfilará a sua “solidão” pra concluir sedutoramente: “tchau, lindo, rsrsrs, bjsbjs” e outras expressões a espera de tradutor. E eu sorrirei sem graça dessa conversa sem graça, pensando no que fazer enquanto o bauru não vem...
O problema é que hoje é quarta-feira, dia de vazio, dia da mistura de novela com futebol, da soma do nada com coisa nenhuma, dia de espera pela crônica do Caboclo, da espera do fim-de-semana quando as coisas devem começar a melhorar por aqui.
Ah, o fim-de-semana, onde tudo ameaça acontecer... É claro que não é como nos tempos de criança em que meu pai nos pegava pra jantar fora e a gente podia escolher o lugar onde queria ir: um puchero, uma tortilla pede lá no Élvio Brasil, um galeto feito na hora, é na Churrascaria do Darcy, um camarão à baiana, mas é a especialidade do Adão Miranda, um bife com fritas, então pode ser em qualquer um deles, ou no Marrecão, ou no Acapulco, ou no Forninho, do iniciante Eraldo...
Não, nada desses “exageros” de cinco, seis casas pra escolher, até porque hoje é quarta-feira e eu só queria mesmo era um prosaico dum bife com fritas. Mas, tudo bem, a globalização me pegou e o negócio é esperar o findi que deve prometer alguma coisa. Não o lugar pra ler o livro do Borges, nem o violão bem tocado, nem a fartura de antes, não, isto nem pensar, os “avanços” não permitem mais. Mas ao menos a governadora não decidiu ainda que a “enturmação” vai se dar também aos sábados e domingos e a minha mulher pode deitar mais tarde e também ficar na cama um pouco mais amanhã. E aí nem orkut nem msn e nem blog, e, aí sim, beijos beijos e risos risos, o dia inteiro, sem precisar de tradução, o dia inteiro de mundo real, o dia inteiro comendo de verdade, o dia inteiro, ou pelo menos enquanto o bauru não vem...





AGORA QUE O BAURU CHEGOU... (2007)


O problema da alimentação ta resolvido, mas a fome e a sede continuam. Fome de quê? Sede de quê? Primeiro, de sair da internet, essa “coisa” que joga o mundo inteiro superficialmente dentro da nossa casa, o tempo todo. Diz a verdade, existe algo de realmente profundo sendo transmitido por via digital neste momento? Se alguém souber que declare o site, a página, o blog, porque eu ainda não encontrei. Informação rápida, sim, comunicação também, mas conteúdo que é bom...
Alternativas existem e a primeira seria conversar. É, prosear, charlar, parlar, sabe como é?!? Ou, então, ler: um conto do Borges, uma crônica do David Coimbra, o Diogo Mainardi... Como, quem é o Diogo Mainardi?
O problema desta cidade é que se convencionou que estamos fora do mundo e que somos insuficientes pra transformar qualquer coisa. Por isso, ninguém se interessa em conversar sobre o que não seja “daqui”, com exceção, é óbvio, do futebol e das “rapidinhas” da internet. Qualquer outro assunto “mais universal” é logo rebatido com argumentos do tipo: “isso não depende de nós”, “a gente não vai mudar nada mesmo”, etc., etc...
O que “importa” mesmo é a questão local. As discussões da Câmara, a Sucessão do Prefeito, as bebedeiras do bar, o quem disse o quê, o quem come quem, além do orkut, do msn e dos engraçadinhos e-mails de rede...
A cidade não é essa ilha triste e isolada que tentam fazer. Não é vergonha conversar sobre arte, sobre literatura, sobre filosofia, sobre as coisas que, sim, passam ao redor do Arroio Grande.
Eu, por exemplo, sou fã dos articulistas dos jornais daqui e respeito à importância dos políticos da cidade. Mas, por favor, preciso com urgência conversar também sobre o novo romance do Peruano Roncagliolo - o Abril Vermelho - e quero comentar nem que seja só por comentar a eleição da Presidenta Cristina Kirchner na Argentina.
Pelo amor de Deus, eu sei da graça das moças que passam diariamente pela Sinaleira, mas preciso beber uma cerveja celebrando também a beleza da boca e daqueles olhos da Penélope Cruz. Porque ninguém comenta comigo sobre a maravilha que tá a Penélope? E a fornida da Flávia Alessandra na nova novela das oito? Porque, meu Deus, por quê?
Eu quero encontrar quem ame e quem deteste o Diogo Mainardi, esse crítico feroz que vive de bater no Lula e no PT, esses barbudinhos que precisam aprender com a crítica, ainda que ela seja quase doentia e mesmo que partindo de um romancista fracassado como o Diogo, que, aliás, também precisa aprender a escrever...
Por isso, agora que o Bauru chegou e que o problema da alimentação ta resolvido, eu quero matar também a fome e a sede de conversar sobre qualquer coisa que não seja o mesmo de sempre.
Porque eu adoro esta cidade, mas às eternas conversas iguais das suas esquinas já estão me cansando. Definitivamente!

CHIPS NO ÔNIBUS (2007)


A Danuza Leão, que marcou época freqüentando as rodas da sociedade carioca nos anos 60-70, tem uma frase que não precisa ser socialite para compreender. Diz ela que o uso do palito nos dentes é algo tão íntimo, mas tão íntimo que deveria ser feito pela pessoa isolada, “no banheiro e de luz apagada”, arremata. Tem razão, ‘espalitar’ os dentes em lugar público, ao contrário de ser higiênico, parece tão escatológico que quem ‘aprecia’ a cena tem vontade de virar de costas ou de apagar a luz. Pois parecido com isso (ou nada a ver), surgiu um outro hábito infernal que atinge crianças, adolescentes e adultos quase que na mesma proporção. É o chips no ônibus. Quem usa esse tipo de transporte coletivo sabe do que estou falando. Um prazer que surgiu na forma de batatinha, pra gente comer junto com a namorada (ah??), catando os farelos, se tornou realmente uma coisa pegajosa e fedorenta. Aqueles saquinhos coloridos, uns troços dos mais diversos formatos que o Cascudo apelidou certa vez de “isopor com sal”, se esparramam hoje em quantidade nas padarias, nas Rodoviárias, para serem devorados na rua, em casa ou, o que é pior... dentro do ônibus. Pois saibam que a coisa é um horror, no cheiro principalmente, mas também no barulho e na agressão à estética. Isso mesmo, ninguém pode ser levado a sério comendo um negócio daqueles. Imaginem, por exemplo, uma reunião do Prefeito com o secretariado. Sua Excelência lá, procurando soluções pra cidade: buracos e poeira nos bairros, o dinheiro que não dá pra as obras, falta de empregos, a Votorantin que não vem, o homem lá falando, falando e os secretários... mastigando chips. Ou então, o Chalita no vestiário, jogo no intervalo, os veteranos do caturrita perdendo feio pra os “Amigos do Murilo”, palestra, táticas, etc, e o grupo de jogadores fazendo um barulhão danado comendo um “sabor pizza” ou “sabor cebola” e jogando os saquinhos fedorentos no chão. Sim, porque parece que os chips, de tanto que proliferam, nunca acham uma lixeira pra se abrigar. Não, realmente não dá pra solucionar nada se empanturrando com os salgadinhos, sejam eles sabor queijo ou bacon; com aquilo ninguém consegue virar jogo nenhum. Os chips, aliás, não combinam com nada coletivo. Nem com reuniões, nem com salas de aula, nem com vestiários, e, definitivamente, dentro do ônibus. Então fica combinado, quando alguém sentir fome em público pode escolher qualquer outro alimento pra degustar; frutas, por exemplo, ou chocolate que sobrou da Páscoa, ou ainda pastel ou até croquete de rodoviária com as suas tentações e os seus perigos. Mas chips não, meu amigo. Pelo vizinho do lado, pelo barulho e com este calor que não acaba nunca, desista de uma vez dessa coisa pestilenta. Faça um esforço, não coma mais, recuse, rejeite, entre em greve, abstenha-se completamente. Menos, é claro, da batatinha com a namorada.

quinta-feira, 13 de março de 2008

AUTO RETRATO (2007)

Quem disse foi o João Garcia, tempos atrás, numa pequena crônica aqui mesmo na “Evolução”: “enterrem as minhas cinzas sob o salso chorão”. Pra quem gosta de Arroio Grande é fácil à identificação. É bom ser “daqui”. Sair e voltar. A minha infância foi feliz jogando bola no “perau”. A primeira calça cumprida que usei foi numa matiné, no Cine Marabá. Eu cresci ali perto e assisti aos festivais que fizeram à fama do Atanásio. O Caboclo falou noutro dia que o Atanásio foi o que de mais cult a cidade já teve. Não sei bem o que é cult, mas sei que o que eu queria mesmo era ser compositor. Tenho mais coragem de escrever do que de dizer o que penso. Isso é timidez ou exibicionismo? Na minha adolescência, as gurias bonitas, a Maria Cláudia e a Sissi, me deixavam bastante envergonhado. Eu tive uma paixão platônica por uma menina de Jaguarão. Gosto de falar sobre o que floresce e sobre o que vira fumaça, pedacinho de papel. Os primeiros cigarros que fumei foram no prédio da Biblioteca Pública, em construção. Lembro do tempo em que os Correios e Telégrafos ficavam abertos até à noitinha. Achava lindo ver o telegrafista mandando mensagens, com seus dígitos codificados. É necessário voar. Em Arroio Grande passou uma vez um enorme Zepellin. É triste morrer no chão. Eu morei junto com o Basílio Conceição e com o Baixinho do Assis e sempre achei o Paulinho do Cabeção maravilhoso. Eu gosto de pessoas decentes. Eu amava a Maria Caetano e gosto demais do Plínio. Não sei se é preciso explicar tudo o que a gente sente. A maior perda cultural do Arroio Grande foi o fim da Top Set. Tenho saudade de conversar política com o Omar Bretanha e de brigar com o Edy do Solano. O Neneco Silveira me ensinou a sonhar e me levou a conhecer o Pacífico. Sinto falta do tempo em que pegava a estrada com o João Garcez em busca de mais sonhos. As mudanças em Arroio Grande viraram simples fantasia, muito menos que pedacinho de papel. Esquerda e Direita, aqui, são tão confusas quanto desimportantes. Nada devolve o tempo que se perdeu. Eu sou um apaixonado pelas ruas da cidade. Houve uma época em que quase trocaram o nome da Dr. Monteiro. O nome mais forte é o da Gumercindo Saraiva. A mulher que eu acho mais interessante mora na Herculano de Freitas. Eu gosto de mulheres interessantes, com seus mistérios e seus perigos. Esta é uma cidade onde quase ninguém se expõe. Não há nada melhor do que beber cerveja ao lado de gente simples. A música do Bar do Xiringa às vezes chega a ser profética. Eu joguei dois clássicos pelo infantil do Arroio Grande. Nunca existiu um jogador como o Osca por aqui. Sou Promorar e não entendo nada de Carnaval. Eu queria ser mais alegre todos os dias. Queria também ver uma apresentação de Tango em plena Praça Central. Eu amo os meus dois filhos e continuo namorando cada pedra do Arroio Grande. Bem que o Prefeito podia dar um jeito nas ruas da cidade, principalmente onde nem pedras têm. Desejo que o arroio venha bater às portas da minha casa. O meu texto é juvenil demais. Eu quero morrer velhinho, como na receita do Nei: “bebendo vinho e olhando à bunda de alguém”. Espero que as minhas cinzas demorem muito a chegar...