sábado, 26 de dezembro de 2009

DEPOIS DO NATAL

Daqui a pouco mais do que trezentos e sessenta e cinco dias eu deverei, enfim, completar cinqüenta anos. Ainda falta muito, mais do que um ano, mais até do que apenas um Natal, e isso é bastante, me parece.
Entretanto, alguns começaram a me tratar como se eu já estivesse assim, como se precisasse desde agora me comportar assim, se é que me entendem.
Os meus filhos já me chamam de “velho”, a minha mulher quer que eu faça exames clínicos regularmente, e os médicos - quando me encontro com eles em meio às festas de fim de ano, logo aí, imaginem! - costumam recomendar que eu cuide melhor da minha saúde. Os amigos já não aparecem sequer para um jogo de bola e as minhas tias – todas – presenteiam-me desde o Natal passado com meias, lenços e gravatas.
O contador me visitou antes de ontem e já fala em movimentar os papéis para uma futura aposentadoria. Minha carteira de motorista vai perder novamente a validade e o meu cartão de crédito necessita outra vez ser renovado.
Enquanto isso, devo admitir, eu perdi o gosto pela política, perdi a paixão pelo futebol, perdi a necessidade da notícia; há muito tempo que somente consigo ler e escrever, e cada vez escuto menos do que me dizem.
Na verdade eu sempre fui assim, de viver sem escutar uma só palavra do que me falam. E, agora, cada vez mais entendo menos o que querem me propor. E prossigo sem planos – de metas ou de saúde -, além daqueles de beber cerveja e vinho, além de escutar música ao entardecer, além de ler novamente Borges, além de caminhar solitário pelas ruas do Arroio Grande.
Por que ainda que as minhas tias – todas – insistam em me presentear com meias, lenços e gravatas, ainda que os meus amigos – todos – estejam desaparecendo a cada Natal; ainda que a mulher, os filhos, todos em volta se preocupem com o meu dna já quase cinquentenário, eu necessito ainda de tempo para conviver mais com pessoas de verdade - os anti-heróis, os anti-sociais, os anti-cidadãos... -, e conhecer, além do Natal, um pouco mais das gentes, para poder, enfim, refazer os sonhos e ser merecedor da vida, e cultivar a esperança num outro mundo, que todos dizem ser possível e que eu acredito ser certo, pois impossível não há.
E isso tudo tem que começar uma manhã, ainda que os dias de hoje remetam a esperança para mais tarde, para depois, quem sabe depois do próximo Natal...

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O QUINDIM

Segunda-feira eu comi o melhor quindim da minha vida. Foi ali, na Panificadora do Sul, a Padaria que fica perto do meu escritório, onde era o Bar do Duca, em frente ao antigo Hotel do Branco, na Rua Máximo Pereira. Eu gosto de fazer referências a lugares antigos, é uma forma de preservar a memória da cidade e todo mundo acaba entendendo do que eu estou falando. Gosto também de provar quindins, costumo fazê-lo com certa freqüência até, mas o de segunda-feira estava demais, bem amarelinho, cremoso, com um certo “caldo” por cima e com aquela raspa por baixo, como as antigas queijadinhas da Dona Ana, que o Dé - o Dedé “Sempre Social” - vendia pelas ruas do Arroio Grande nos meus tempos de guri. E segunda-feira eu estava como um guri: tranqüilo, com tamanho desprendimento que pude me proporcionar comer o melhor quindim da minha vida. Então, me propus uma espécie de indagação: Quem é que eu poderia convidar pra saborear um quindim assim? Quem, hein, nos dias de hoje, é capaz de se liberar das mazelas, dos problemas do cotidiano e parar o mundo pra apreciar um quindim, às vésperas de 2010? Pensei então no Donga, meu amigo de juventude, meu parceiro de “arteirices”, mas desisti. Não, o Donga não. ‘Tá cheio de problemas lá como Secretário de Cultura: a estrutura da nova Secretaria, a elaboração dos projetos, a incerteza das verbas, o pessoal da Educação que não desocupa o prédio... Xi! O Donga não, ‘tá de cabelos brancos, o meu amigo, não vai ter condições de saborear um quindim assim, acho que por um bom tempo. Então pensei no Jorginho, o Prefeito, pensei em convidá-lo pra comer quindim. Mas se o Donga que é Secretário ta cheio de pepinos, imagina então o Jorginho que tem que gerenciar o município, tem que se preocupar com orçamentos, com a folha de pagamento, com o desenvolvimento da cidade, com a saúde, com a educação, com o tribunal de contas, com a oposição... Bah! O Jorginho mesmo é que não tem condições de saborear um quindim; o Jorginho não tem só pepinos ou abacaxis, têm é uma salada inteira pra descascar todos os dias. Pensei então num outro Jorge, o Américo, mas o JA também vive atordoado, esbaforido, atucanado, enlouquecido, em transe. O Jorge, multimídia que é - jornalista, repórter, entrevistador, narrador, comentarista, fotógrafo, tudo... – vive permanentemente numa outra dimensão e nem tem paladar pra saborear um prosaico dum quindim desta galáxia. Não, o Jorge é capaz até de misturar os sabores e pensar que está comendo, sei lá... um mousse de maracujá! Duvidam? Pois improvável não é. Então eu segui pensando nas pessoas pra quem poderia recomendar o quindim: pensei na Marcela, mas as cantoras costumam preservar as cordas vocais, e até tem receitas próprias pra isso; pensei na Marília, mas os poetas se alimentam da arte, não se apegam a essas coisas da gastronomia, e continuei pensando, pensando... Foi quando me apareceu o Caboclo, o Bruxo Edu Damatta; então eu falei pra ele sobre a proposta de compartilhar o quindim. O Caboclo me escutou bem sério, e, quando terminei, ele se manifestou: “Um quindim? Tranqüilo, sensacional mesmo! Agora vamu ali no Geco que a Skol ta bem gelada; o quindim a gente vê depois, ta?" Então ta, né! E eu vou dizer o quê pra uma parceria dessas???

domingo, 20 de dezembro de 2009

EU JOGUEI COM O CASTELHANO MINCHO!

Todo ano a cena se repete: dezembro, e quando chega próximo ao dia 20, começam as tradicionais “peladas” de fim de ano.
O convite desta vez foi da Rádio Studio FM – 104.9, para participação no jogo disputado entre o pessoal da imprensa e os profissionais de Educação Física do Arroio Grande.
E eu estava lá, jogando pelo primeiro time, ao lado do Casca Silva, maior responsável pelo evento, do Prof. Paulista, do Pedrinho, meu sobrinho, e da grande atração da tarde, o castelhano Mincho, a super estrela da Seleção de Arroio Grande, recentíssima campeã da Taça RBS de Futsal.
Eu estava lá, no campo do Esporte Clube Arroio Grande, onde joguei pelo infanto-juvenil nos meus tempos de guri, onde fui treinado pelo Krek e pelo Paulão, e onde assisti de perto a lenda que foi o goleiro Ósca, o lateral clássico que foi o Wilson do Ary e o extraordinário talento que foi o Marrequinho, o mais completo jogador que passou pelos gramados desta cidade.
Eu estava lá, desta vez ao lado do Mincho, com o nosso time ganhando por 2 X 0 de uns guris quase trinta anos mais novos que alguns de nós: como eu, como o Casca (que fez os dois gols), o Sandro Cunha, o Secretário Afrânio, o Murilo e outros "velhinhos" e indefectíveis peladeiros.
Eu estava lá, porque todo ano a cena se repete, e que bom que é sempre assim.

O castelhano Mincho Hernandez com a camisa de Seleção Uruguaia, disputando o Mundial de Futsal; bem no alto, no campo do Arroio Grande.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

REBELIÃO?

O Sérgio Canhada propõe uma questão interessante, e complicada é claro (para variar), sobre o que teria ocorrido paralelamente à defesa dos jaguarenses quando da tentativa da invasão “blanca” do território brasileiro, ocorrida no 27 de janeiro de 1865. (postagem anterior, ao final).
Diz o Sérgio (v. nos comentários) que esse 27 de janeiro seria uma “Data Negra”, pois que acredita que escravos de Santa Isabel, Arroio Grande e Piratini tentaram coincidir uma revolta com a tal invasão castelhana.
Não é para mim. Não tenho a menor idéia a respeito dessa possível revolta, que teria antecedido as primeiras “convocações” de escravos para lutarem na Guerra do Paraguay, em substituição aos filhos dos senhores, tendo sido a Guerra deflagrada em dezembro de 1864, com os recrutamentos vindo a ocorrer já a partir de 1865. Ou uma coisa nada tem a ver com a outra?
Não sei, não faço a menor idéia, assim como da possível revolta de escravos aqui na região e no período também nada sei.
Quem sabe a gurizada que está pesquisando esses e outros fatos ligados aos negros escravos do Arroio Grande e da região não nos diz alguma coisa: o Vítor Faria, ou a Marília Kosby, ambos daqui, mas estudando lá por Pelotas, o primeiro sobre Geografia e História, a segunda sobre Antropologia, pelo que sei, se é que não me engano sobre isso também.
Mas que o assunto é interessante é, e complicado de pesquisar, claro, como sói acontecer nas propostas do Canhada...

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

JAGUARÃO

Estando em Jaguarão no último fim de semana, pude apreciar (e com certa calma, desta vez) toda a beleza da arquitetura da “Cidade Heróica”, que foi, em certo período, a “pátria mãe” do Arroio Grande, em razão deste ter pertencido como distrito àquela, elevada a freguesia primeiro, isto é em 1812, e, posteriormente, à categoria de cidade, com a denominação de Vila do Espírito Santo de Jaguarão.
Aliás, a diferença de mais de 40 anos entre a elevação à Vila de uma e de outra localidade – Jaguarão em 1832 e Arroio Grande apenas em 1873 – deve-se em muito a decisão do Bispo do Rio de Janeiro, Dom José Caetano da Silva Coutinho, cuja jurisdição eclesiástica se estendia até o sul do Brasil, que propôs ao Príncipe Regente a criação da futura freguesia de Jaguarão, mesmo quando tinham sido os moradores de Arroio Grande que haviam dirigido petição a Dom João pleiteando tal distinção.
Em documento datado de 17 de junho de 1811, conhece-se da decisão do titular da diocese da capital do império, conforme referência do historiador Sérgio da Costa Franco, na sua conceituada obra Origens de Jaguarão (UCS – 1980).

“Proponho, em terceiro lugar para nova Freguesia todo o destricto do Sul do Arroio Grande, e compreendido entre a Lagoa Merim, o Rio Jaguarão, a Fronteira Hespanhola...
E havendo de dar o Assento da Igreja Paroquial no logar mais acomodado às circunstâncias, parece-me que deva ser a Capella denominada a Guarda da Lagoa, e não o oratório da Fazenda de Manoel Jerônimo, como dizem...”.

(op. cit. P. 45, mantida a grafia original)

A proposta da autoridade eclesiástica surtiria efeitos rapidamente, pois já em 1812, através da Resolução Régia de 31 de janeiro, Dom João criaria a Freguesia que viria a se chamar de Jaguarão, sendo que, posteriormente seria criada também a nossa Freguesia de Nossa Senhora da Graça do Arroio Grande, permanecendo como 2° Distrito de Jaguarão.
De lá para cá, a cidade fronteiriça, que iniciou o seu povoamento exatamente como um acampamento militar às margens do Rio Jaguarão, em 1802, se destacaria como ponto estratégico do sul do país, com participações importantes na defesa dos limites das terras luso-brasileiras, como, por exemplo, no histórico episódio de 27 de janeiro de 1865 (que deu nome à Avenida mais central de Jaguarão), quando uma pequena força da Guarda Nacional resistiu, durante 48 horas, a uma tentativa de invasão do território brasileiro por mais de 1,5 mil “blancos” do exército castelhano, o que se transformou em verdadeiro marco de heroísmo e de resistência dos cidadãos jaguarenses na defesa da sua cidade e da própria fronteira pátria.
Por tudo, a quem vai simplesmente fazer compras nos free-shops do Rio Branco, vale a pena dar uma (boa) parada em Jaguarão - a “cidade heróica” -, e experimentar um pouco a beleza dos seus incontáveis prédios antigos, com as suas inigualáveis portas e a sua extraordinária história.

sábado, 12 de dezembro de 2009

KREK

Careca Chuy 80, uma década na frente, humanista, pacifista e iconoclasta; gerovita e alfa-centauro... transitando pelos caminhos austrais com destino ao epílogo Léo”...
Quem nunca ouviu essa apresentação deixou de conhecer uma das personalidades mais exóticas que se tem notícia, e que morou aqui no Arroio Grande, em meio aos anos 70.
Extravagante, irriquieto, criativo, Iraci Alves Nunes, o Careca – ou Krek, como se assinava – era natural de Santa Vitória do Palmar, e se criou com o meu pai lá pelo Chuy, de onde sairia para ser jogador de futebol, e dos bons, na década de 50. Vestindo as camisetas do Guarany de Bagé e do Nacional de Montevidéu, o Careca enfrentou nada mais nada menos do que o Vasco da Gama, base da Seleção Brasileira de 1950, e o Santos, do surgimento do menino Pelé, em partidas memoráveis.
Depois do futebol, quando estava tranquilamente administrando um Hotel da família em Santa Vitória, o Careca foi, por sugestão do meu pai, convidado para ser técnico do E. C. Arroio Grande, lá por 1975.
Foi a experiência mais louca que se tem notícia. As jogadas que ele treinava tinham nome - gerovital, alfa-centauro, epicentro... – e os jogadores eram chamados por apelidos estranhos, com nomes de satélites, planetas, galáxias, instaurando-se a maior confusão na verdadeira “Via Láctea” em que se transformou o Estádio da Avenida.
Os jogadores tinham que correr de costas, às vezes com os braços amarrados (para aprender equilíbrio, justificava o Careca); o goleiro treinava com os olhos vendados, para tentar imaginar onde a bola ia ser chutada, e ninguém entendia nada. O Ósca, o Wilson do Ary, o Marrequinho, o Paulão, todos, se olhavam e perguntavam: - Mas de onde saiu esse louco?!?
Não podia mesmo dar certo, o Careca não fazia parte deste planeta, como ele mesmo se identificava e como as suas atitudes reiteradamente comprovavam.
Uma ocasião, em plena ditadura militar (início dos anos 70), quando a repressão rotulava todos os que se opunham ao sistema de “terroristas”, o Careca resolveu criar um time de Futebol de Salão em Santa Vitória, e colocou logo o nome de... Terror Show FC. No primeiro jogo, levou para a Praça de Esportes uma faixa com os seguintes dizeres: “Paz, Amor e muita fé no Terror!”. Resultado: a estréia do time adiada e todo mundo preso, para dar explicações no Dops, a polícia política da época.
Histórias, histórias... O Careca tinha tantas que não cabem numa só crônica: como a do amigo tupamaro, segurança do Pacheco Areco, Presidente do Uruguay, e que vivia bêbado, se perdendo seguidamente do Presidente; ou da Tia Dorinha, que ele garantia que nos resolveria qualquer problema e, quando a gente ia pedir ajuda, ele arrematava: - Tudo bem, vou lá falar com ela, mas é quase certo que ela não vai querer. E ela nunca queria, realmente.
Quem conheceu o Careca pode afirmar que ele foi seguramente o louco mais louco que já passou por aqui, o que não é pouco nesta terra de malucos. E olha que nesse quesito eu tive experiência, e das boas, dentro da própria casa, mas o Krek foi mesmo imbatível, sem comparação, ao menos neste planeta.

Na primeira foto, no alto do texto, o Careca em Arroio Grande, fazendo o símbolo de "Paz e Amor", no dia 16 de fevereiro de 1975. Na foto de baixo, Careca erguendo a bandeira da Paz, onde se lê: "Os Alfa Centauros saudam aos terráqueos do Hermenas"; na Praia do Hermenegildo, ano de 1977.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

EL MOROCHO DEL ABASTO

Estando em Buenos Aires, onde fui levar o meu filho Pedro Gabriel para assistir ao show da banda australiana de rock AC/DC (quem acreditaria se eu contasse que ia fazer isso, um dia...), lembrei da discussão provocada pelo livro do Schlee - Os Limites do Impossível, Contos Gardelianos - centrado na polêmica do local de nascimento de Carlos Gardel, e trazendo a lume os personagens que fizeram parte dessa história, na versão do escritor jaguarense de que o cantante teria nasscido em Tacuarembó, Uruguay, pelo que procurei também alguma coisa sobre o Gardel, e, entre tantas obras, escolhi uma baratinha, produzida pelo grupo do conhecido periódico La Nacion, de uma série intitulada Protagonistas de la cultura argentina, editada em 2006.
Logo no início do livro - Carlos Gardel, El Morocho del Abasto(*) - vem à tona a questão do nascimento e a posição da editora argentina é a de que Gardel nasceu em... Toulouse, França, a outra hipótese aventada e discutida desde a morte do ídolo do tango ocorrida em 1935.
Para a questão do passaporte de Gardel (onde consta: nascimento em Tacuarembó, Uruguay), o livro traz a hipótese de que o documento teria sido "facilitado" (eufemismo para falsificado) por um funcionário uruguaio, com vinculações com Buenos Aires, para facultar as viagens de Gardel ao exterior, já que o cantor não teria como obter passaporte no seu país de origem (no caso, a França), em razão de ser militarmente "insubmisso" (acho que é esse o termo), pelo fato de Gardel não haver lutado "bajo bandera" durante a Primeira Guerra Mundial.
Já para afirmar que Gardel era francês, os editores se utilizam do Testamento do cantor, onde este diz, já no início das suas 'disposições de última vontade': "primero soy francés nacido en Toulouse - el dia 11 de Diciembre de 1890 y soy hijo de Bertha Gardes..." (cfe. reprodução abaixo).
Como se vê é longa (e talvez interminável) a discussão sobre o local de nascimento de Carlos Gardel, o extraordinário mito do tango argentino e mundial.

(*) Morocho vem do castelhano "moreno", embora alguns utilizem a expressão (indevidamente) também para "rapaz", ou "jovem" (tal deve ocorrer porque a definição de morocha vem quase sempre acompanhada do "rapariga" antes de "morena", daí a confusão, imagino).
Abasto é um bairro de Buenos Aires, onde Gardel foi criado. No bairro existe hoje o Museu Carlos Gardel, e a estação de Subte (metrô) Carlos Gardel (linha "B"), onde se desce bem em frente ao moderno Shopping Abasto, com sua praça de alimentação pasteurizada e suas franquias internacionais.

domingo, 6 de dezembro de 2009

FATALIDADE

O envolvimento com as "arteirices" da semana passada - a Feira do Livro, que acabou adiada, a Mostra de Dança da Academia, a vinda do Aldyr Schlee... - tudo acabou contribuindo para que o autor do blog esquecesse de transcrever uns versos mandados publicar na imprensa local – Jornal “A Evolução” de 28/11/1949, há exatos 60 anos – por Wilson Garcia Feijó, em homenagem à morte, ocorrida no dia anterior, de Salvador Soares, figura extremamente conhecida e, ao que se sabe, muito querida da comunidade.
Wilson Feijó, ao tempo em que reivindicava, também profetizava, já que o amigo acabaria mesmo virando nome de rua no Arroio Grande, estando a Rua Salvador Soares situada na Zona Norte da cidade, entre a Leonel Fagundes e a Joaquim Manoel Soares.
Fica a dívida do blogueiro de um dia escrever também sobre a rua; por enquanto, seguem os versos (em cima, o original, de 1949; abaixo, a transcrição literal dos mesmos) do Wilson para o amigo Salvador, cuja morte acaba de completar 60 anos.
FATALIDADE

Em homenagem a memória
do meu saudoso amigo
Dr. Salvador Nunes Soares

Vinte e sete de novembro
Foi um dia bem fatal,
Vi minha terra sofrendo
Um golpe rude... mortal,
Por perder entre seus filhos
Um de valor sem igual!

Um moço cheio de vida,
De extraordinária cultura;
Uma alma esclarecida,
Feita de amor e candura
Era toda a esperança,
De nossa vida futura!

Foi sempre um grande amigo
Do homem trabalhador
Onde houvesse uma oficina
Sempre estava o Salvador,
Embora nunca deixasse
De ser um juiz a rigor!...

Nesses versos que hoje escrevo
Rogo ao nosso Criador
Que dê a paz que merece
A quem foi um benfeitor;
Que tenha um reino na Glória
Junto dos pés do Senhor!

E minha terra que, sempre,
Aos seus filhos deu valor,
Deve hoje homenagear
Quem teve tanto esplendor,
E dar a uma das ruas
O nome do Salvador!...

A. Grande 28/11/49
Wilson Garcia Feijó

Salvador Soares é o primeiro à esquerda, de óculos; na outra ponta da foto Aimone Soares Carriconde - fotografia de 1930.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

SUBSTITUIÇÃO

Essa história de um time jogar com os titulares ou com os reservas traz a tona uma questão nem sempre bem resolvida no futebol, que é a substituição dos jogadores no decorrer das partidas. A troca, ainda que normal no futebol, sempre traz certa controvérsia, gerando dúvidas e alguma insatisfação.
Aqui no Arroio Grande correm inúmeras histórias de substituições de jogadores; eu vou relatar duas, conhecidas dos boleiros pelo folclórico da situação.
Uma ocasião, nos anos 70, o Arroio Grande jogava em Santa Vitória do Palmar contra o Rio Branco daquela cidade. O Gita era o treinador e, pela ausência do titular, acabou escalando o Paulo Fernando, o popular “Caminhão”, como lateral-direito do time. O Caminhão era um glorioso centro-médio, à moda antiga, de enorme vitalidade; à época, porém, estava recém começando e era reserva do time.
A cada vez que o Arroio Grande saía para o ataque, o Gita, aos gritos, pedia para o Caminhão avançar: - Caminhão, vai, vai que tem um corredor à tua frente... Ao que o Caminhão respondia: - Calma hômi, calma que eu não to na minha (afinal, era meio-campista improvisado na lateral...). Meia hora de jogo, a situação se repetindo e o Gita gritando: “Vai, vai...”, e o Caminhão respondendo: - Calma hômi, que eu não to na minha... Pois o Gita não esperou muito, casmurríssimo, mandou outro jogador aquecer e substituiu o Caminhão no finzinho do primeiro tempo.
Quando se cruzaram, o Caminhão saindo e o Gita na lateral do campo, o jogador protestou: - Pô, hômi, tu não tem paciência, tu sabe que eu não to na minha. Ao que o técnico rebateu: - Ah, é? Pois agora tu vais voltar ‘pra tua’; senta ali no banco de reservas, senta que ali é o teu lugar. E liquidou a questão, voltando a se concentrar no jogo.
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Uma outra substituição “famosa” aconteceu com o Internacional, quando jogava em Camaquã contra o Guarani local. Com o time perdendo, o técnico Osvaldo resolveu mexer no ataque e mandou o “Mosquinha” aquecer.
Conta o Mosca que enquanto corria pela lateral ouvia da torcida caturrita palavras de estímulo para entrar em campo. - Vai, Mosca, pra cima deles! Vai lá, mete gol! ‘Vamu’ empatar esse jogo! - incentivavam. E o Mosquinha ali, se preparando feito um leão, com fome de bola, pronto para arrasar em campo. Então, o técnico aguardou mais alguns minutos e, cansado das oportunidades que o time desperdiçava, virou para o banco e decidiu: - Não dá mais para esperar, vai ser agora, vou tirar um atacante! Ato contínuo, olhou para os reservas e, pondo fim às expectativas do Mosca que já não aguentava mais aquecer, chamou o ponteiro Veiga - o Veiguinha - para entrar, “rápido e bem aberto na ponta esquerda...”.
O Mosquinha sentou novamente no banco e até hoje escuta certos torcedores jurarem que ele virava aquele jogo...
Gita, quando era ainda jogador, no Maracanã, em partida contra o Flamengo, no ano de 1950. No meio, entre Gita e Geada, o ex-gremista Hermes, se despedindo do Clube gaúcho e vestindo pela primeira vez a camiseta do rubro negro carioca.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

PARA GOSTAR DE VER!


A 2ª Mostra Regional de Dança da Academia Camerini lotou completamente o Centro de Cultura, trazendo inúmeras coreografias da cidade e da região, que encantaram o público presente. Nas fotos, as apresentações de "A Coisa" e "Dança de Salão", ambas da Academia Estímulo, de Pelotas (acima), e as coreografias "Replantio", da própria Academia Camerini, e o "Hip Hop", do Grupo Art Urbana, de Pelotas (abaixo).

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

IMPOSSÍVEL NÃO HÁ!

Foi um acontecimento!
A presença do escritor Aldyr Schlee em Arroio Grande, com a finalidade de conversar com estudantes de literatura, acadêmicos de letras e interessados, levou muitas pessoas ao Centro de Cultura, num domingo de manhã, para conversar sobre... literatura.
Num clima de informalidade e afabilidade, Schlee conversou por mais de duas horas com o público presente, e respondeu a inúmeras perguntas dos estudantes que haviam apreciado alguns dos seus textos - especialmente Braulina, do livro Contos de Sempre, e Yasmina, da obra Contos de Verdades, lidos em sala de aula num trabalho coordenado pela Profª Maristela Pires -, com o escritor fazendo uma verdadeira dissecação dos seus personagens, revelando inclusive a proximidade destes com pessoas reais da nossa região.
Buscando satisfazer especialmente a curiosidade do público jovem, Aldyr Schlee não se furtou a responder nenhuma indagação, voltando a enfrentar inclusive uma questão recorrente na sua vida, qual seja a de responder sobre o processo de criação do uniforme da Seleção Brasileira, por ele idealizado, através de um concurso nacional, em 1953, assunto que confessadamente incomoda o escritor, quando abordado sobre o tema durante as jornadas de literatura das quais participa.
Após o encontro com o público, Schlee (que se disse positivamente impressionado com a participação dos estudantes na conversa) foi almoçar com os organizadores do evento, ocasião em que, entre diversos outros assuntos regados a cerveja até quase o fim da tarde, teceu considerações sobre o seu último livro - "Os Limites do Impossível", Contos Gardelianos, lançado apenas em Porto Alegre e Arroio Grande -, bem como fez algumas revelações sobre o seu futuro romance "Don Frutos", baseado na vida do General (Frutuoso) Rivera, 1° Presidente da 2ª República do Uruguay, outro personagem recorrente nas histórias do escritor jaguarense, que hoje experimenta a pacatez de viver no tranquilo município do Capão do Leão.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

HABEMUS PEPE

Impressionante imagem das ruas de Montevideo quando populares comemoravam a eleição de 'Pepe' Mujica para a Presidência do Uruguay, com uma vitória de mais de 10 pontos percentuais (220 mil votos) sobre Lacalle, levando a esquerda de Frente Amplio à reeleição no pais vizinho.
A fotografia e o título forma extraídos do jornal "La República".

domingo, 29 de novembro de 2009

OS SONHADORES

É comum ocorrer uma enorme confusão entre o que é arte, o que é cultura e o que são eventos artísticos ou culturais, isso que a gente encontra com maior freqüência por aqui.
Existe um filme, cujo começo é baseado numa proposta de um diretor francês que, ao final dos anos 1960, costumava passar filmes na Cinemateca de Paris todos os dias, em todos os horários, independente do gênero, sob o argumento de que: “não tem filme bom ou filme ruim, o que tem é filme!”. Não por acaso, o local vivia cheio de gente, fazendo enorme sucesso.
O filme trata, na verdade, da iniciação sexual de três jovens, mas acaba reproduzindo, por via oblíqua, a combinação dos três elementos: a arte (cinema), a cultura (o “movimento” em torno dos valores expressados pelo cinema) e o evento (o acontecimento: a transmissão dos filmes).
Guardadas evidentemente todas as proporções, aqui em Arroio Grande também estão presentes esses três componentes e é necessário fazer alguma coisa para aproximá-los.
O Caboclo, por exemplo, faz arte. Arte que está no violão do Sidney, do Julinho do Tuíca, na gaita do Jélson; na voz da Marcela, do Sandro Campello; na poesia da Marília, no texto do Arnóbio. Arte que está também nas mãos de quem tece, no desenho de quem desenha, na dança de quem dança...
A dança, aliás, esteve muito presente na cidade neste final de semana, com a Mostra organizada pela Verônica e pela Letícia, da Academia Camerini, que trouxa até o Arroio Grande um pessoal show do street dance – o Gugu e a Tahuana, do Grupo Art Urbana, o Cahuã, do Trem do Sul, ambos de Pelotas -; além do jazz, da Larissa, da Escola Alfredo Simon, entre diversos gêneros de dança, apresentados por inúmeros bailarinos da cidade e da região.
A arte anda por todos os lados e não é preciso muito para se deparar com ela.
Já a Cultura - que é a incorporação pela cidade desses movimentos todos, que é o convívio com essas manifestações -, passou a ter, desde a posse do Donga como Secretário, a oportunidade de aproveitar melhor o complexo dessas potencialidades, sejam elas locais ou regionais.
Por fim, os eventos (muitas vezes confundidos com a própria arte ou com a cultura) que são outra coisa – shows, jogos, mateadas, espetáculos... – e que tanto podem irradiar cultura, como não, tanto podem primar pela qualidade, como nem tanto, e por aí vai...
Pois o Arroio Grande precisa aproveitar bem esse momento da sua história – nunca tivemos tantos artistas, nunca tivemos a oportunidade de fazer um calendário cultural, nunca antes tivemos uma Secretaria para aglutinar os movimentos... – para acertar as distâncias e as diferenças entre todos os atores desse processo, firmando uma atitude cultural de maior conteúdo, algo menos vazio do que foi até agora.
Não é fácil, ao contrário, tudo aqui é bastante difícil. Mas, que diabos, o nome do filme de que falo lá no começo é “Os Sonhadores”, e, por alguma razão, a gente ainda precisa continuar sonhando. E permanecer ao lado de quem acredita na arte e na cultura, sempre!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

DANÇA

Embora o adiamento da Feira do Livro, devido ao mau tempo e a possibilidade de novas temporais, permanece a atração da 2ª Mostra Regional de Dança da Academia Camerini, dia 28/11, sábado, a partir das 20h., no Centro de Cultura Basílio Conceição.
Estão confirmadas as presenças do pessoal show que veio no ano passado - Art Urbana e Estímulo -, além dos novos Trem do Sul e Alfredo Simon, o que já é garantia de um ótimo espetáculo de street dance, hip hop e jazz, além das coreografias apresentadas pelos grupos da Academia e de outros bailarinos do Arroio Grande e da Região.
Mas vai ter mais, inclusive Dança de Salão, com uma pareja que vem pela primeira vez ao Arroio Grande.
Dizem as marqueteiras da Academia que já tem vendidos mais de 300 ingressos dos 450 lugares que o Centro de Cultura possui; portanto, quem pretende assistir ao espetáculo já pode começar a procurar ingresso. Vai ter casa cheia.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

OS LIMITES DO IMPOSSÍVEL
















Este é o livro que o Aldyr Schlee vai lançar na Feira do Livro do Arroio Grande - Dia 29, domingo, com sessão de autógrafos a partir das 16h., no Acampamento Farroupilha.
Antes, às 11h., o Schlee vai conversar com estudantes, autores, jornalistas e com o público em geral, falando sobre a sua obra e tudo o mais que envolve a nossa literatura.
O livro é novidade por aqui, foi lançado apenas nos grandes centros, nem na Feira do Livro de Pelotas apareceu.
Pelo que pude descobrir, a obra parte do discutido nascimento de Carlos Gardel, em Tacuarembó, Uruguay, traçando histórias em torno da vida do ídolo de tango que morreu tragicamente num acidente de avião em 1935, em Medellin, Colômbia.
Como se sabe, Gardel teve (e tem) a sua nacionalidade reivindicada por diversos países, sendo que alguns atribuem o seu nascimento à cidade de Toulouse, França, e outros, ainda, a Buenos Aires, capital da Argentina.
Daí o subtítulo, "Contos Gardelianos", a nova obra do Schlee, que está sendo agurdada e comemorada como um prêmio ao trabalho e a dedicação da recém criada Secretaria de Cultura do Arroio Grande em sua primeira Feira do Livro, a 7ª do Município.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

FEIRA DO LIVRO

Tem início na sexta-feira (21/11) a 7ª Feira do Livro do Arroio Grande, pela primeira vez organizada pela Secretaria de Cultura, órgão até então inexistente na administração municipal.
Ainda que com carência de recursos, a Feira tem novidades interessantes, como as atividades multi-culturais programadas, misturando teatro, dança, música, poesia, com literatura, tudo isso em novo local, já que o evento acontece por primeira vez no "Acampamento Farroupilha", um espaço interessante da cidade que passa agora a ser melhor aproveitado.
Aos poucos a gente vai divulgando a programação da Feira aqui na página, incluindo a vinda do escritor Aldyr Schlee (Uma Terra Só, Contos de Sempre, O Dia em que o Papa foi a Mello...) até o Arroio Grande, para conversar com estudantes de letras, escritores e interessados em literatura.
Ah, e o Schlee vai lançar um livro também - "Os Limites do Impossível - Contos Gardelianos" - com tarde de autógrafos e tudo; vai valer a pena, com certeza.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O QUE MOVE A LEITURA?

A Revista "Leia", uma publicação cultural dos anos 80, que se apresentava (com justiça) como "Uma Revista de Livros, Autores e Idéias", publicou, certa ocasião, uma ampla e interessante matéria com o título de "O que move a escrita?", quando perguntava a centenas de escritores do mundo todo, por que razão, afinal, eles escreviam.
Pois essa questão pode também ser repassada aos leitores; afinal, porque a gente lê?
É para adquirir conhecimento, certo! Para preenchimento e satisfação pessoal, correto! É pelo gosto, pelo prazer de ler. Perfeito!
Mas é óbvio também que a busca, a necessidade, a compulsão pela leitura têm outras razões, talvez bem maiores do que as explicações acima, se é que aquelas são explicações.
"O que move a leitura" pode ser mais simples ou mais complexo do que aparentemente se apresenta, talvez até insondável, injustificável. Ou não?!
Pois esta é uma semana interessante para se discutir essas e outras questões voltadas à leitura, já que vem aí a Feira do Livro do Arroio Grande (dias 27/28/29-11), um evento que precisa ir sempre além da mera compra e venda de livros, da negociação entre livreiros e leitores, da simples aquisição de um exemplar para ser folheado no sofá de casa.
Por isso, a gente vai falar dela - da Feira do Livro - toda a semana, por isso e pelo mais que é necessário, porque é necessário, simplesmente.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

PEDRO CANGA

Pedro Muniz Fagundes, a quem se atribui o codinome de Pedro Canga, é considerado um mito nesta região de Fronteira, sendo que pouco se sabe da sua vida e da sua obra.
Criado entre os Municípios de Herval, Jaguarão e Arroio Grande, Pedro Muniz fez fama como soldado e deixou a lenda de Pedro Canga como poeta e trovador.
Nascido no Herval ou em Rio Grande, no ano de 1789, Pedro era filho de Vicente Moniz Leite e de Dionísia Pereira Leal, embora alguns atribuam a sua maternidade à famosa Josefa Canga (Josefa Moniz, tia de Pedro, nascida em 1752).
Em 1835, Pedro Muniz serviu com Silva Tavares, de quem era primo, participando ativamente da Revolução Farroupilha. Ao contrário do que muitos pensam, Pedro não foi Farrapo, mas legalista, combatendo sempre em nome dos imperiais contra os rebeldes de Bento Gonçalves.
Terminada a Revolução que durou dez anos (1835-1845), Pedro Muniz, que perdeu dois filhos (de um total de onze que teve) em combate, veio a perambular pela região, não raro se metendo em brigas e entreveros, sendo que a ele se atribui um gênio violento e com “rompantes de fúria”.
Consta que depois de velho, Pedro teria cometido um assassinato, sendo julgado e condenado a cumprir a pena de prisão perpétua em Fernando de Noronha, para onde foi mandado próximo a 1850.
Tendo fugido da Ilha de Noronha, Pedro Muniz embrenhou-se pelas matas de Pernambuco, de onde, diz a lenda, teria vindo a pé até o Arroio Grande, após mais de um ano de caminhada.
Aqui no Arroio Grande, passou a morar em companhia de um filho de nome Sérgio, provavelmente na Palma, onde vivia com a complacência das autoridades locais que, segundo consta, tinham conhecimento do homicídio praticado e da fuga de Pedro, mas lhe acobertavam a liberdade.
Morto provavelmente em 1859 (ou no início dos anos 1860), Pedro Muniz Fagundes - o cognominado Pedro Canga -, deixou uma obra intrigante, que, embora composta de apenas quatro glosas conhecidas, transcende ao costado gauchesco, traduzindo uma poesia rica em cultura e em delicadeza, aspectos incomuns por aqui, ainda mais àquela época.
Por tudo isso, intriga a discrepância entre o perfil de Pedro Muniz Fagundes – encrenqueiro, brigão, “furioso”, homicida... -, e o do poeta “Pedro Canga”, a quem se atribuem versos de profunda leveza, a demonstrar uma personalidade extremamente sensível, aparentemente contrária a do violento primo do Coronel Silva Tavares, cujos “serviços à pátria datam desde que teve 12 anos”, nas lutas e revoluções que marcaram a sua época.
Tal contradição evidentemente só aumenta o enigma em torno do mito, cognominado pelo historiador Guilhermino César de “Embuçado do Herval”, na obra mais conhecida sobre o poeta. “Embuçado”, aliás, quer dizer encoberto, oculto, como, de resto, tem ficado a biografia de Pedro Canga ao longo desses anos todos - dois séculos de um mistério que, provavelmente, jamais irá acabar.
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Abaixo a transcrição completa da mais conhecida poesia atribuída a Pedro Canga - “Pode o Céu produzir Flores”.

"PODE O CÉU PRODUZIR FLORES"

Pode do mundo a grandeza/Reduzir-se tudo a nada
E ver-se em tudo mudada/A ordem da natureza
Nesta vasta redondeza/Matizada de mil cores
Pode o autor dos autores/Tornar em céu de repente
E desse modo igualmente/Pode o céu produzir flores!

Pode esse sol que alumia/Parar-se lá nessa altura
Deixar de haver noite escura/E ser sempre claro dia
Pode também a água fria/Ferver sem fogo e queimar
Podem as brenhas falar/Tornar-se a planície em serra
O peixe viver em terra/A terra estrelas criar!

Podem as águas correr/As avessas do costume
Subir ao mais alto cume/E não poderem descer
Podem os montes gemer/Amar e sentir paixão
Quando trago a coleção/Tudo pode acontecer
Mas deixar de te querer/Não pode o meu coração!

Inda mais se pode ver/Secar as águas do mar
O pau no ferro cortar/A neve no fogo arder
Também pode acontecer/O vento nunca reinar
Enquanto o mundo durar/Em silêncio se acomode
Mas meu coração não pode/Ser vivente sem te amar!


(Pedro Canga)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

MEMÓRIA

Nesta mesma época - exatamente no período de 16 a 20 de novembro, mas do ano de 1983 - o Município de Santa Rosa realizava o seu 1° Musicanto Sul-Americano de Nativismo. Eu estava lá, "travestido" de repórter do Jornal "A Evolução" e da então novíssima Rádio Difusora Fronteira, ambas do Arroio Grande, o que me permitiu ter acesso a todos os pontos do Festival, inclusive participando de uma histórica entrevista com o exepcional cantante Argentino Luna.
Eu estava lá e assisti o meu irmão Basílio Conceição classificar para a final e colocar no vinil a lírica "Uma Canção Para a Minha Prenda", qualificada como valsa pela Comissão Julgadora do Festival.
Eu estava lá, e já fazem 26 anos...

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

PEDRO - O BOÊMIO - O POETA

Para melhor compreensão leia na ordem - A Série tem início no postagem de 11/11 (abaixo)
Boêmio inveterado, bebedor contumaz, Pedro Jaime tinha verdadeira paixão por Bares, tendo freqüentado inúmeros durante a sua existência, e chegando ao ponto de criar lugares particulares com características de Bar - como a “Rua da Bahia”, em Arroio Grande (década de 1970), o “Barzinho”, em Sentinela do Sul (anos 1990) e a “Confraria”, na Praia do Hermenegildo (anos 2000) -, todos idealizados por Pedro para ocupar um lugar dentro ou ao lado da sua própria residência, mas em feitio de Bar, pois “beber em casa não tem a menor graça”, como ele costumava dizer.
Em conseqüência, a sua poesia abordava naturalmente a temática dos bares, como se pode ver do poema a seguir – O Último Bar – que a página republica a pedido de diversos leitores.
Nas fotos, o Barzinho em Sentinela do Sul (acima), a porta-janela do Bar Confraria, na Praia do Hermenegildo, onde Pedro Jaime podia beber olhando para o mar (1ª foto, abaixo), no lugar que hoje homenageia o poeta - a Travessa da Lua de Pedro Bittencourt (última foto).
Esta postagem encerra o ciclo-semana em homenagem a Pedro Jaime Bittencourt, no período em que ele estaria comemorando os seus 77 anos de idade.


O ÚLTIMO BAR

(Pedro Jaime Bittencourt)


Quando fechar o último bar
Não haverá mais mesas nas calçadas
Nem moças despreocupadas
Sorrindo um sorriso lindo
Quando fechar o último bar
Não haverá mais nada para fechar.

Na calçada abandonada
Um seresteiro boêmio
Receberá como prêmio
Mais um silêncio dormindo,
E o tempo absorto e mudo
Verá que o silêncio é tudo
Que restou daquele bar.

Quando fechar o último bar
Eu não quero estar presente
No meio de tanta gente
Que não terá mais lugar
Para rir, para chorar...

Não quero ver a menina
Com os seios debruçados
Exatamente na esquina
Onde moram os meus pecados,
Nem a mulher que passa
Naquele estado de graça
Que nos faz dizer amém...

Quando fechar o último bar
Eu quero fechar também...


terça-feira, 17 de novembro de 2009

PEDRO - O ADVOGADO

Para melhor compreensão leia na ordem - A Série tem início no postagem de 11/11 (abaixo)
Brilhante causídico, Pedro Jaime fez larga fama no Arroio Grande e na Região Sul, especialmente no Tribunal do Júri.
Assistir a um júri do Pedro era a certeza de um espetáculo, pois o advogado era mestre na eloqüência, imprindo excpecional teatralidade à sua oratória na permanente tentativa de convencer os jurados, atuando preferencialmente na defesa do réu.
Ficou famosa a cena em que Pedro Jaime, num Júri em Jaguarão, chegou a assustar o Juiz Presidente do Tribunal, ao subir repentinamente numa cadeira em plena Sessão, para retirar as teias de aranha que cobriam um crucifixo de Jesus Cristo que ornamentava a parede do Salão do Júri, “para que este Santo homem tenha os olhos descobertos e possa testemunhar a injustiça que será cometida aqui, se o réu vier a ser condenado”, teria dito, numa daquelas histórias que ganham o caráter da verdadeira lenda urbana.
Pedro fez inúmeros Júris de renome, atuando ao lado e mesmo contra os grande tribunos da sua época no Estado, tais como Ápio Antunes (Pelotas), Mathias Nalgestain (Bagé) Eloar Guazelli e Amadeu Weinman (Porto Alegre).
Nas fotos, Pedro Jaime num Júri no Arroio Grande (acima), e em Brasília, em frente ao antigo TFR - Tribunal Federal de Recursos, no final dos anos 1970.


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

PEDRO - O POLÍTICO - O ORADOR

Para melhor compreensão leia na ordem - A Série tem início na postagem de 11/11 (abaixo)
Extraordinário orador, Pedro Jaime teve participação ativa na vida política do Arroio Grande, sendo famosas as suas “tiradas”, especialmente nos comícios das memoráveis campanhas políticas de outrora (a expressão "é contigo mesmo 'calça floreada'", dita num palanque há cerca de 30 anos, ainda hoje é lembrada...).
Ainda que se proclamasse anarquista, Pedro participou de inúmeras campanhas políticas, notadamente ao lado dos partidos “de esquerda” de Arroio Grande, e em especial na campanha que levou Lauro Cavalheiro (PTB-PL-MTR) à Prefeitura Municipal em 1963, e, também, posteriormente, nas campanhas do MDB, no árduo período que se seguiu a implantação da Ditadura Militar no País (1964-1985).
Na foto abaixo, Pedro discursando em comício durante a campanha do Partido dos Trabalhadores (PT), na disputa eleitoral municipal de 1992, a sua última aparição em palanques políticos.

domingo, 15 de novembro de 2009

PEDRO - O JORNALISTA - O CRONISTA

Para melhor compreensão leia na ordem - A Série tem início na postagem de 11/11 (abaixo)
- Pedro Jaime - Na Rádio Cultura, Jaguarão -
Durante o período em que residiu em Jaguarão (década de 1950), Pedro Jaime atuou junto aos microfones da Rádio Cultura daquela cidade, escrevendo ainda artigos para os jornais locais, notadamente o Jornal “A Folha”, do qual foi colaborador entre os anos de 1950 a 1955, aproximadamente, mesmo durante o período em que residiu na cidade de Santa Maria (1952).
Posteriormente, ao transferir residência para o Arroio Grande, em 1958, Pedro viria a fundar o Jornal "A Tribuna" onde exerceria as funções de Diretor, cronista e redator. Mais tarde, colaboraria também com o Jornal “A Evolução”, onde publicaria algumas poesias e crônicas no início dos anos 1990.
A sua última incursão pelo jornalismo viria a ocorrer na cidade de Sentinela do Sul, onde Pedro Jaime foi o Fundador, Diretor e principal Redator do jornal A Tribuna de Sentinela, “órgão independente”, fundado em 1996.

sábado, 14 de novembro de 2009

PEDRO - O ARTISTA

Para melhor compreensão leia na ordem - A Série tem início com a postagem de 11/11 (abaixo)

Muitos talvez não saibam, mas o Pedro Jaime, além de poeta, era também ótimo desenhista e excelente pintor, deixando inúmeras obras que atestam a qualidade do seu trabalho como artista plástico.
Acima, algumas pinturas de autoria do Pedro; abaixo os desenhos, com ele retratando o próprio rosto, através da reprodução da foto da Carteira de Identidade, e a entrada da Praia do Hermenegildo, com a Igrejinha em primeiro plano, tudo desenhado nas paredes da própria casa do artista, à beira do mar Atlântico.



sexta-feira, 13 de novembro de 2009

PEDRO - O PAI

Para melhor compreensão leia na ordem - A Série tem início com a postagem de 11/11 (abaixo)
- Pedro Jaime; Pedro Jaime Jr. e Pedro Jaime Neto (o Pedrinho) -
O meu pai se chamava Pedro. Pedro Jaime. O nome Pedro foi uma homenagem ao avô paterno, Pedro Vitancurt, nascido em Índia Muerta, lugarejo de Rocha, interior do Uruguai. O Jaime veio do avô materno, Jayme Ramis, um filho de espanhóis, de Sineo, cidadezinha de Mallorca, uma das Ilhas Baleares, Espanha.
O meu pai se chamava Pedro, igual ao “Vovô Pedro”, como ele costumava se referir ao avô. Eu também me chamo Pedro, o meu sobrinho “Pedrinho” se chama Pedro e o meu filho Pedro Gabriel é, obviamente, Pedro também.
O meu pai nasceu num dia 17 de novembro e fez 72 aniversários até o ano de 2005. Uma ocasião, num dos seus aniversários, ele recebeu um cartão, acho que da Maria Goreti, que dizia mais ou menos assim: - “Ao Dr. Pedro, o homem mais interessante que conheci”. O meu pai, o Pedro, era advogado - por isso o “Doutor” - e era realmente um sujeito muito interessante.
Para definir o meu pai, alguém, que eu não consigo lembrar quem, costumava se utilizar de um conceito complicado, mas que tinha a idéia de ser engrandecedor. – “Pedro Jaime, o homem que encanta as mulheres e encanta os homens também!”.
Eu não sei se isso era bem verdade, acho até que não, por uma questão lógica, de silogismo puro. É que, normalmente, quem encanta as mulheres acaba por atrair certa inveja dos homens; logo, se o Pedro encantava as mulheres, não podia encantar os homens também. Ou podia?
Ademais, o meu pai era bastante irreverente, o que atraia muitas reações contrárias, logo não deveria ser tão encantador assim. Ou era?
Na verdade, eu sempre achei o meu pai um provocador, que gostava de afrontar. O Sérgio Canhada costuma dizer que eu afronto muito mais do que ele, porque digo o que penso, escrevo o que penso e me comporto de acordo com o que penso, se é que penso o que penso.
Eu não concordo muito com o Sérgio, não, aliás não concordo nada, embora concorde com ele em algumas outras coisas. Mas lembro, por exemplo, de uma ocasião em que o meu pai passeou uma tarde inteirinha, no táxi do Duca, com o carro cheio de Chinas, e ele tomando cervejas e atirando as latinhas pela janela do Opala, em plena luz do dia, bem no Centro da cidade. Isso é provocação, isso é afronta, e eu não recordo de ter feito algo parecido, ao menos com profissionais...
Mas esse era um pouco o estilo do meu pai, meio “sem modos”, como costumava dizer dele o Camarão.
O meu pai se chamava Pedro – Pedro Jaime – e era interessante e encantador, e irreverente e provocador, e absolutamente envolvente.
Pedros com esse perfil existem vários, assim como são muitos os Pedros na família, embora a maioria deles talvez não deva ser tão interessante assim. Eu me chamo Pedro, o meu sobrinho é Pedro, meu filho é Pedro e o Vovô Pedro era, obviamente, Pedro também.
Mas pai mesmo eu só tive um, e ele deveria estar fazendo outro aniversário neste 17 de novembro...
O meu pai se chamava Pedro. Pedro Jaime.
E eu sinto uma saudade boa, intensa, maravilhosa; uma saudade interessante, do interessante homem que foi o Pedro - meu Pai.

- Pedro Gabriel E. Bittencourt -

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

PEDRO - A FAMÍLIA - O CASAMENTO

Pata melhor compreensão leia na ordem - A Série tem início na postagem de 11/11 (abaixo)
Pedro Jaime Bittencourt era filho de Don Guadil (Eugenio Guadiel Vitancurt – 1901/1978), um castelhano de Índia Muerta, Rocha, e de Dona Delícia Ramis (1912/2007), Professora, natural de Santa Vitória do Palmar.
Exercendo Guadil a função de guarda aduaneiro na fronteira (Chuy), conheceu a jovem Delícia nos bailes familiares da “Figueirinha” (local situado atualmente exatamente entre os Municípios de Santa Vitória e Chui), tendo os dois casado em 1930.
Guadil e Delícia tiveram dois filhos: Pedro (17/11/1932) e Teresa Bittencourt (02/04/1935), sendo que esta reside atualmente na cidade de Pelotas.
Após ter passado a infância e parte da mocidade com os pais no Chuy, Pedro Jaime viveu ainda em Bagé, Santa Maria (por força do Serviço Militar), Porto Alegre e Jaguarão, até casar com Josina de Moura, no Natal de 1958, passando a morar no Arroio Grande, onde viria a residir a maior parte da sua vida.
Pedro e Josina tiveram três filhos: Nazine, a primogênita, Pedro Junior e Magali, a caçula.
Nas fotos - Pedro, na mocidade com o pai Guadil, em Montevideo (acima), num baile em Jaguarão com os pais (foto abaixo, com Guadil e Delícia ao fundo), e com os pais da noiva e a avó desta (Vidal, Honorina e Vovó Josina), e no casamento com Josina Leni de Moura, em Jaguarão, em 1958.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

PEDRO - O POETA

Para melhor compreensão leia na ordem - A série tem início na postagem logo abaixo
Embora as múltiplas atividades exercidas ao longo da sua existência – Pedro foi Radialista, Professor, Jornalista, Escrivão, Advogado... – a lembrança maior do Pedro Jaime ficou mesmo na sua poesia, nos versos que produziu no período em que esteve residindo em Jaguarão, Arroio Grande, Pelotas, Sentinela do Sul, mas, especialmente, nas largas temporadas que passava na Praia do Hermenegildo, em Santa Vitória do Palmar, o éden particular do poeta.
A seguir, uma poesia da fase “mais recente” (1990/2005) de Pedro Jaime, escrita certamente na Praia do Hermenegildo, lugar onde o poeta passou a maior parte dos últimos anos da sua vida, até morrer durante uma siesta, após um almoço de meio de tarde, regado a vinho Cabernet, por volta das 18 horas do dia 26 de maio de 2005.

A VELHA MESA DO CANTO

Até no menor dos bares,
Nos mais diversos lugares
Em qualquer parte do mundo,
Que irresistível encanto,
Que magia, que atração,
Que fascínio tão profundo
Exerce a simples presença
Da velha mesa do canto
Bem ao lado do balcão!...


Suas pernas bambas, cansadas,
Outrora fortes e tensas,
Agora já estão pesadas,
E mesmo assim sustentando
Em equilíbrio precário
Num milagre extraordinário
A superfície já gasta,
Mas ninguém sabe até quando...


Ela é a mesa preferida
De quem vai em pós da vida
Num barzinho suburbano...
Na toalha, pedaço velho de pano,
Que o uso já desbotou,
Há milhões de cicatrizes
Que a própria vida deixou...

Há assinaturas tristonhas,
Queimaduras de cigarros,
Caricaturas e imagens,
Os desenhos mais bizarros,
Tentativas de paisagens,
Caretas inteligíveis,
Algumas frases bisonhas,
Outras quase felizes;
Há referências ao sexo,
Palavras sem qualquer nexo
E a maioria ilegíveis...

Em cada noite que passa
Tilintam copos e taças,
Há gargalhadas e há pranto
Há fealdade e beleza,
Há mentiras e verdade,
Há sentimentos urgentes,
Esquecimentos, saudades,
Na velha mesa do canto...


São pessoas diferentes,
Que lá chegam diariamente
E sentam na mesma mesa
Na solidão desse canto
Bem ao lado do balcão.
Gente boa, gente ruim
Já sentou naquela mesa
Já gargalhou de alegria
Já chorou ouvindo um: não!


Ali tombaram palavras
De irremediável tristeza
Que ninguém ergueu do chão
Sonhos e fantasias
Ali viraram histórias
Com finais cheios de pranto...
O que a todos parecia
Felicidade, alegria,
Era mágoa e solidão...


Diferente das demais,
Ancorada no seu canto
Como um navio no cais,
Como um gesto de ternura,
Como um sonho que perdura
Lá no fundo da memória,
A velha mesa do canto
Ninguém esquece jamais!...